quinta-feira, 1 de março de 2012

A SEGURANÇA PÚBLICA E O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS

Dr. Jéferson Botelho, http://www.jefersonbotelho.com.br, 18/04/2007

Atualmente, a Segurança Pública tem sido o assunto mais comentado na sociedade brasileira. Os crimes violentos incomodam a todos, mesmo quem não sentiu na pele a dor de um assalto, seqüestro, homicídio, golpe do seqüestro por telefone, e outras condutas que espalham intranqüilidade social. Nesse momento de desconforto, a sociedade se mobiliza e exige dos congressistas a edição de leis mais duras, mas recrudescentes, a fim de conter a onda da criminalidade, como se um pedaço de papel tivesse o poder mágico de estancar a hemorragia do medo e do terror que se instalou na sociedade brasileira. Logo, imagina-se que a solução disso tudo é colocar o Exército nas ruas, já que a Força Nacional de Segurança não alcançou o fim colimado pela população dos Estados que passaram por essa experiência.

Num aspecto legal, mais precisamente na dicção constitucional, o tema Segurança Pública, encontra-se localizado no Título V, destinado à defesa do Estado e das Instituições democráticas, cujo artigo 144 preceitua ser dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil e polícia militar e corpos de bombeiros militares.

Cada órgão está ligado a uma função específica de acordo com a distribuição de atribuição feita ela própria Constituição Federal.

As Forças Armadas, situadas no mesmo título constitucional, são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, como sendo instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Assim, facilmente se verifica a atribuição de cada um dos órgãos de segurança, exercendo as forças armadas função residual no campo da segurança pública, atuando, concorrentemente, com outros órgãos, tão-somente para garantia da lei e da ordem, como acentua a parte final do comando normativo do artigo 144 da Carta Magna.

O Exército nas ruas resolve o problema de Segurança Pública no Rio de janeiro? Em que situação pode-se empregar o Exército?

Assim, a questão do emprego legal do Exército nas ruas das cidades para executar segurança pública não é matéria de fácil entendimento. As Forças Armadas são regulamentadas pela Lei Complementar nº 97/99, modificada pela Lei Complementar 117/2000, mesmo porque o artigo 142, § 1º, da CF/88, determina que as normas gerais, sobre organização, preparo e emprego das Forças Armadas serão estabelecidas por Lei complementar.

Verifica-se, num aspecto legal, que a primeira situação a ser definida é a excepcionalidade do emprego das Forças Armadas, fundada no princípio da legalidade e da necessidade, basicamente com fundamento maior na leitura do artigo 15 da LC 97/99, que preceitua : “O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação “

I – (omissis);
II – (omissis);
III – diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força.

O § 1o do mesmo dispositivo acrescenta que “compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados”.

Já o § 2o do comando normativo em tela determina que “a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal” .

A Lei Complementar 97/99, artigo 15, em seu § 3o , preceitua que “consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional”

A Lei em questão ainda determina os limites de atuação das Forças Armadas, em seu § 4o , in verbis:

“Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem”.

Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins.

Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais.

O emprego e o preparo das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem são considerados atividade militar para fins de aplicação do art. 9o, inciso II, alínea c, do Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar.

Assim, a atuação do Exército, objeto desse estudo, tem de ser de forma episódica, em área previamente determinada, em tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo, necessárias para assegurar o resultado na garantia da lei e da ordem quebrada. É pensamento errôneo acreditar que o Exército vai ocupar definitivamente todas as esquinas das ruas da cidade, a fim de evitar o cometimento de crime, pois isso não é verdade. A Lei complementar diz textualmente que as ações desenvolvidas para a garantia da lei e da ordem são consideradas atividades militares para aplicação do Direito Penal Castrense. Desta feita, se houver a prática de algum delito, deve-se aplicar a legislação penal militar.

Outra questão que se discute, infelizmente, é a possibilidade de a corrupção militar contaminar os integrantes das Forças Armadas, como se esse desvio de conduta fosse uma anomalia existente somente nas Policiais dos estados. Esse pensamento discriminante não pode prosperar porque a nojenta prática da corrupção existe em todo o meio em que se faça Administração Pública, inclusive nos altos escalões do próprio Poder Judiciário, como se verificou na Operação Furação desencadeada pela excelente Polícia Federal, que tem sido uma instituição forte, e que constitui orgulho para o povo brasileiro, muito mais profícua que algumas outras Instituições que são ovacionadas na comunidade jurídica, como é o caso do Ministério Público.

Depois de tudo isso, é preciso acordar! Estávamos numa incrível quimera. Agora vamos voltar para a nossa realidade. O emprego do Exército não vai resolver a problemática cancerígena da insegurança pública. Fazer segurança pública exige preparo para tal, e se pensarmos que não estamos diante de uma guerra, não se poder querer combater a criminalidade com práticas de guerrilhas. É preciso muito cuidado, porque qualquer vacilo pode atingir pessoas inocentes, isto porque combater o crime e o criminoso nunca foi uma prática tão simples como querem que seja. Combate-se a criminalidade com adoção de políticas públicas, com oferta de um ensino eficaz, universal, qualitativo, com a criação de medidas de inclusão social e não com um monte de homens armados nas ruas, despreparados, pois corre-se o risco de morrer pela Pátria e viver sem razão.


Dr. Jéferson Botelho. Professor de Direito Penal III, Professor de Direito Processual I, Professor de Instituições de Direito Público e Privado, Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal

Nenhum comentário:

Postar um comentário