quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

DISTANCIA

 


ZERO HORA 01 de Fevereiro de 2018


L.F. VERISSIMO


Distância




Existe uma coisa chamada silogismo falso. Um pensamento que parece perfeitamente lógico até se revelar que não é. Por exemplo, dois pontos. As Forças Armadas existem para proteger a nação dos seus inimigos. Os maiores inimigos da nação, hoje, são os criminosos bem armados que dominam boa parte do seu território e são uma ameaça constante aos seus cidadãos. Os meios convencionais de combater esses inimigos não funcionam. A criminalidade aumenta, a nação se sente indefesa. A solução? Mandar as Forças Armadas saírem dos quartéis e usarem suas armas para combater o crime. Mobilizar essa força ociosa para que cumpra seu papel de defender a pátria.

O silogismo é falso e perigoso, como se viu na recente experiência carioca. Exército agindo contra o crime não acaba com o crime e corre o risco de corromper o Exército. Tropas e tanques na rua para manter a ordem estão a poucos passos de estar na rua para impor exceção e arbítrio. O Brasil é um dos raros países do mundo que não seguiram o exemplo da Roma antiga, onde as legiões eram aquarteladas longe da cidade justamente para prevenir a tentação de usá-las a qualquer pretexto. Isto não as impediu de intervir na vida civil dos romanos, mas sempre contra a oposição de figuras formidáveis como Cícero - pelo menos o Cícero que Shakespeare botou no palco -, para quem a distância das legiões era a primeira condição para a sobrevivência da República.

O fato de os quartéis brasileiros estarem geralmente dentro de perímetros urbanos só aguça a lógica enganosa, pois realça a inutilidade de uma força militar dedicada aos seus rituais internos e à preparação para guerras hipotéticas enquanto na rua em frente, ou no morro atrás, o crime corre solto e o inimigo toma conta. Fica difícil convencer as pessoas de que esse aparente contrassenso é preferível a transformar militar em polícia. Que é melhor para nossa saúde cívica as legiões ficarem longe de Roma, metaforicamente falando.



domingo, 8 de novembro de 2015

TESTE DE DEMOCRACIA



ZERO HORA 08 de novembro de 2015 | N° 18349


EDITORIAL



Ainda causa repercussão e muita boataria no país a exoneração do comandante militar do Sul, general Antônio Hamilton Martins Mourão, autor de declarações de cunho político e de críticas ao governo, além de ter convocado oficiais da reserva para o despertar de uma luta patriótica. Mourão, que também admitira uma homenagem pública ao recém-falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, identificado como torturador durante o regime militar, foi transferido para um cargo burocrático na Secretaria de Economia e Finanças do Exército, em Brasília, por determinação do ministro da Defesa e integrante do Partido Comunista do Brasil, Aldo Rebelo o que reacendeu ranços ideológicos e potencializou o desconforto na caserna.

Embora o episódio tenha ressuscitado tanto o desejo quanto o temor de intervenção militar neste momento em que o país passa por inegável instabilidade política, tudo indica que a democracia sairá fortalecida desse teste. É o que se pode depreender de entrevistas concedidas pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que faz questão de reafirmar o papel constitucional das Forças Armadas na garantia da estabilidade e da normalidade social. Ele lembra que as instituições democráticas estão sólidas e amadurecidas e que a atual crise deve ser solucionada sem quebra da normalidade institucional.

Um dos pontos mais interessantes das entrevistas é o reconhecimento por parte do comandante do Exército de que o país passa por uma crise ética. Ele lembra que quando as pessoas pedem providências ao Exército para solucionar a crise estão, na verdade, demandando os valores que as Forças Armadas representam.

Trata-se de uma interpretação sensata. Os problemas da democracia sempre devem ser resolvidos com mais democracia – e não com soluções arbitrárias como equivocadamente algumas pessoas pleiteiam. O Exército tem normas disciplinares rigorosas, mas as normas maiores do país, que estão no texto constitucional e valem para todos, subordinam os militares aos civis. Diz claramente o artigo 142: “As Forças Armadas... destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

No Brasil de hoje, civis e militares têm um comandante comum: a democracia.

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Editorial publicado antecipadamente no site de Zero Hora, na quinta-feira. Entre as mais de 700 manifestações, incluindo Facebook e Twitter, houve 63% de discordância e 37% de aprovação, apuradas até as 18h. A questão: editorial diz que militares devem subordinar-se aos civis. Você concorda?

O LEITOR CONCORDA

Os problemas da democracia sempre devem ser resolvidos com mais democracia – e não com soluções arbitrárias. A razão da existência do Exército é a defesa da lei e da ordem. Não se trata, portanto, de uma força capaz de agir como lhe convier, mas de uma instituição que deve agir de modo a assegurar direitos constitucionais, subordinando-se, assim, aos civis.

BERNARDO SULZBACH ESTRELA (RS)

Constitucionalmente as FFAA são subordinadas aos civis, sim, mas ao povo, não a governos no poder e muito menos a partidos políticos. Os governos são constituídos pelo povo, que é o único poder da nação, podendo recorrer às FFAA contra governos tiranos, se necessário.

SÉRGIO SEMENSATO PORTO ALEGRE (RS)


O LEITOR DISCORDA

É o fim do mundo, um general ser destituído do cargo por alguém que não demora perde seu cargo por chegar o fim do seu mandato. Só na republiqueta das bananas mesmo para acontecer uma coisa dessas. Que saudade do Exército. Não vai voltar?

MILTON UBIRATAN R. JARDIM TORRES (RS)

Deveria haver, sim, um respeito enorme a estes senhores de armas, o Exército é o teto, a solução, a quem recorremos em momentos de necessidades. Quanto à politização, acredito que exista uma inteligência capaz de fazer um excelente trabalho à frente de decisões de Estado e até mesmo do país.

JULIANO ROSSETTO PORTO ALEGRE (RS)

Não concordo, porque com o nível e interesses dos nossos políticos, o Brasil ficará pior e mais cedo ou mais tarde eles terão que tomar uma atitude. Com relação ao governo só podemos dizer “quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra”.

PAULO TIETÊ PORTO ALEGRE (RS)

Os militares têm que assumir e salvar esse Brasil da desordem e da roubalheira. Governo de Clerocracia, vagabundo aqui só se cria. Nada se faz, cidadão que paga seus extorsivos impostos não tem hospital, educação e segurança de qualidade, que é uma obrigação do Estado. Que país é esse? Militares nas ruas, só assim acabaremos com a farra.

 LUIZ EDUARDO SOUZA PAZ


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Política e Militarismo não podem se misturar, pois a solução é explosiva e prejudicial à democracia nas mãos de profetas insanos, salvadores da pátria e donos da verdade. O poder corrompe e tendo a força das armas nas mãos, corrompe ainda mais. No Estado Democrático de Direito, a força das armas deve ficar sob supervisão das leis e da justiça, jamais da política. É neste espaço do direito e dos deveres que as forças armadas e as forças policiais devem se enquadrar e se subordinar.

O PAPEL DOS MILITARES



ZERO HORA 08 de novembro de 2015 | N° 18349


FLÁVIO TAVARES*



Meses atrás, em voo do Rio a Porto Alegre, tive longa e amistosa conversa com o ocupante da poltrona ao lado, um jovem capitão da FAB servindo na Base Aérea de Santa Maria. Sua visão dos valores da vida e da função militar nos aproximou. Contei-lhe que me alfabetizei lendo nos jornais os feitos dos nossos pilotos caçando submarinos nazistas no Atlântico Sul. E, já adulto, de quando conheci, em 1961, o coronel Rui Moreira Lima, herói da II Guerra Mundial, com 94 missões de combate aéreo na Europa.

– Ah, o brigadeiro Rui! –, corrigiu respeitosamente, entusiasmado por conhecer um amigo do militar que a Aeronáutica cultiva como um de seus grandes nomes. Ele sabia tudo do brigadeiro Rui, falecido pouco antes, aos 95 anos: de como fora um dos “fundadores” da Aeronáutica, ou da precisão com que bombardeava o inimigo com vetustos caças Thunderbolt, superando os rápidos Stuka alemães.

O jovem capitão tinha lido os livros e visto os filmes sobre o herói brasileiro e dele sabia tudo, menos um detalhe essencial: desconhecia que Rui fora preso e excluído da FAB após o golpe direitista de 1964. E que sua licença de voar fora cassada, e que sobreviveu vendendo produtos de limpeza, porta a porta.

Recordo tudo isto e me indago: é lícito alterar o passado, sonegar realidades ou fatos e armar a História com meias verdades? Ou com mentiras, até?

Vivemos mais tempo em democracia do que os anos da ditadura direitista, mas as escolas militares aparentemente continuam a ensinar que o golpe de 1964 “nos libertou do comunismo”. Ou que a resistência à ditadura visava “implantar uma ditadura comunista”. Os documentos norte-americanos que divulgo em meu livro 1964 – O golpe, mostram como a paranoia da “Guerra Fria” inoculou-se em nossos militares e civis (até de boa-fé) e derrubou o governo que tentava modernizar a arcaica sociedade agrária de então. E a opressão surgiu em nome da “liberdade” e da “democracia”.

Substituir a verdade por fantasias que, há 50 anos, eram táticas políticas da doentia “Guerra Fria”, é mistificar a História. E a mistificação é um crime em si.

Há pouco, a morte do coronel Carlos Alberto Ustra fez com que recebesse homenagens isoladas em um ou outro quartel, sem que dele se conheçam atos de heroísmo. Devemos respeito aos mortos, mas sem ignorar o que foram em vida. Anos atrás, a Justiça o responsabilizou por torturas e mortes, em longo processo judicial em São Paulo, onde chefiou por três anos e meio o Centro de Operações de Defesa Interna. Lá, morreram 50 pessoas e 502 foram torturadas.

As Forças Armadas são instituições permanentes da sociedade e mantêm a integridade territorial. São um corpo imprescindível e lhes cabe atuar como tal – como “corporação”, como um todo acima de suspeitas ou protecionismos pessoais. A minoria que (na lavagem cerebral da “Guerra Fria”) utilizou-se da tortura e do crime não respeitou sequer as leis e normas da corporação militar e, assim, não pode ser confundida com a corporação.

Nem a corporação pode assumir a defesa da minoria tresloucada que o general-presidente Ernesto Geisel chamava, com nojo, de “a tigrada”.

O governo Geisel iniciou o desmonte da ferocidade do regime. O general Figueiredo foi adiante. Os almirantes, brigadeiros e generais de hoje, em democracia e liberdade plena, eram cadetes ou nem envergavam farda quando “a tigrada” chefiou a repressão.

Os oficiais de hoje (o capitão da FAB é um deles) têm direito a conhecer a História por inteiro. Assim, entenderão que o papel histórico dos nossos exércitos de terra, mar e ar nunca foi a maldade ou o ódio.

E que “a tigrada” foi como um tumor e não pode estar acima da corporação militar.

*Jornalista e escritor

domingo, 11 de outubro de 2015

SEM INTERVENÇÃO MILITAR

ZERO HORA, 10/10/2015 - 13h01min

Por: Guilherme Mazui, RBS Brasília


Eduardo Dias da Costa Villas Bôas: "Não há possibilidade de intervenção militar". Natural de Cruz Alta, aos 63 anos o general lidera um efetivo de mais de 200 mil homens




Chimarrão à mão, falou sobre Comissão Nacional da Verdade, mudanças no Ministério da Defesa e a crise política que o país vive Foto: Exército brasileiro / Divulgação


Ao escolher o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas para comandar o Exército, a presidente Dilma Rousseff optou por um militar de perfil conciliador e de posições firmes. VB, como lhe chamam os amigos, é franco ao dizer que o Brasil “não se deu conta” da relevância da Amazônia, tampouco esconde preocupações com os cortes de orçamento que ameaçam projetos estratégicos das Forças Armadas. E assegura que não há chance de intervenção militar.

Natural de Cruz Alta, casado, três filhos e três netos, aos 63 anos Villas Bôas lidera um efetivo de mais de 200 mil homens. Desde fevereiro, exerce a principal função de uma carreira eclética, que se iniciou em 1967. Com origem na arma de Infantaria, foi instrutor, adido militar na China, chefe da assessoria parlamentar do Exército e Comandante Militar da Amazônia. Em 2014, respondia pelo Comando de Operações Terrestres, com atuação na estratégia de defesa da Copa do Mundo.

Na última terça-feira, oito meses depois de assumir o Comando do Exército, Villas Bôas recebeu ZH para uma conversa em seu gabinete, em Brasília. Chimarrão à mão, falou sobre Comissão Nacional da Verdade, mudanças no Ministério da Defesa e a crise política que o país vive.


Qual o futuro do Exército?

O Brasil tem uma problemática de defesa complexa. Em pleno século 21, metade do território não está integrada ao desenvolvimento, com espaços vazios onde as Forças Armadas são a única presença do Estado, única alternativa de atendimento básico da população. Atuamos com a estratégia da presença. Por outro lado, o Brasil é uma das maiores economias do mundo, pleiteia assento no Conselho de Segurança da ONU (cinco países – China, França, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido – têm cadeira permanente no colegiado voltado à resolução de conflitos, com direito a veto) e precisa de capacidade de projetar poder e influência. O país precisa de Forças Armadas com alto conteúdo tecnológico. Ao mesmo tempo em que temos de ser um Exército moderno, temos de ser um Exército de colonização.

Para ser moderno é preciso investimento. Os cortes de orçamento afetaram projetos estratégicos, como o Guarani (compra de blindados) e o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras)?

Os projetos estratégicos foram afetados com cortes de 40%. Nenhum foi cancelado, mas o ritmo foi alongado. Se imaginou que seria um soluço, mas hoje se sabe que o ano que vem será difícil, talvez 2017 também. No caso do Guarani, a empresa se preparou para produzir cem blindados por ano, mas se reestruturou para fazer 60. Se a gente não conseguir manter isso, perderemos recursos humanos. A tecnologia não fica em prateleira.


O Sisfron é um sistema para melhorar o controle da fronteira (era previsto investir R$ 12 bilhões em 10 anos). Sua implementação será alongada?

Estima-se que 80% da criminalidade urbana seja ligada ao tráfico de drogas. Pagamos o preço que nenhuma guerra cobra. Morrem por ano 54 mil pessoas assassinadas no Brasil, cem mulheres são estupradas por dia. É impressionante. Para mudar o quadro, é fundamental melhorar o controle da fronteira, que tem quase 17 mil quilômetros. Fisicamente, é impossível vigiar a fronteira, é preciso muita tecnologia aplicada. E o Sisfron foi a resposta para isso.

Mas quando o sistema de monitoramento estará pronto?

A previsão inicial era implementar em 10 anos, a partir de 2012. No ritmo que vinha, a conclusão seria em 2035, mas, com o ritmo de orçamento desse ano, vai para 2060. O Sisfron é resposta para muitos problemas que as autoridades precisam dar solução. De todos os projetos estratégicos, é o mais necessário para sociedade.


O período do país é conturbado por causa de uma crise política, algumas pessoas pedem intervenção militar constitucional. Isso existe?

Até queria saber como se faz uma intervenção militar constitucional. Isso não existe. Não interpreto isso como desejo de volta do governo militar, mas como a volta dos valores que as instituições militares representam. A sociedade perdeu disciplina social, senso de autoridade. O professor deve entrar na sala investido de autoridade, mas isso não é reconhecido, por exemplo. Ainda pesa uma imposição do politicamente correto.

Um novo golpe não está em gestação?

No aspecto legal, não há possibilidade de intervenção militar, golpe, nada disso. Quando me perguntam o que os militares vão fazer, digo: está escrito no artigo 142 da Constituição. Pautamos a postura do Exército para contribuir na estabilidade. Nossa crise é de caráter econômico, político e ético, mas as instituições funcionam, vamos sair da crise. Pautamos também a legalidade, todo e qualquer emprego do Exército tem de estar respaldado na legislação, e a legitimidade. Por fim, exigimos coesão, o Exército como um bloco monolítico. Não podemos permitir qualquer tipo de fissura na estrutura e no pessoal da ativa ou reserva.


Há coesão mesmo na reserva, que costuma ter posicionamentos mais polêmicos?

Muita, mas sempre há uma declaração ou outra, o universo é grande. Há pluralidade. O Brasil tem instituições consolidadas, é um país complexo, com sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser ter tutelada.

No ano passado, saiu o relatório da Comissão Nacional da Verdade. Há críticas de que as Forças Armadas não cooperaram com as investigações, e avaliações de que foi uma comissão da “meia verdade”. Qual a sua opinião?

No início, houve um entusiasmo para esclarecer tudo o que ocorreu. Depois, houve uma frustração da nossa parte quando a comissão se limitou no tempo em relação ao que foi criada (para apurar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988) e no campo de atuação, investigando somente os órgãos de Estado. O Exército cooperou, tudo o que foi instado a fornecer foi feito dentro do limite da lei. Apresentaram o relatório e consideramos o assunto superado.

O relatório reconciliou o país?

Espero que sim. Como não houve apuração dos dois lados, sempre ficam questões latentes. A gente considera superado. Veja só, temos um ministro da Defesa do partido comunista (Aldo Rebelo, do PC do B), já vencemos essas etapas históricas. A expectativa é a mais positiva possível para o ministro Aldo, que teve atuação parlamentar ligada a temas que nos dizem respeito, como Amazônia e soberania. Ele tem um viés nacionalista que nos identifica.

Ao falar da fronteira, o senhor citou números de uma guerra urbana. O Exército deve auxiliar na segurança pública?

A Constituição e as leis complementares são claras sobre e o emprego das Forças Armadas quando se verifica incapacidade e falência dos órgãos com responsabilidade para atuar. Esse emprego deve ser episódico e limitado no tempo, porque a estrutura e o preparo do Exército não são moldados para isso. No Complexo da Maré e do Alemão, no Rio, ou mesmo no Haiti, não é o Exército que vai resolver. A Força visa criar estabilidade e proporcionar condições para que outros órgãos implementem medidas que mudem a realidade do ambiente.


A presença no Rio deu resultado?

Na Maré, quase nada foi feito por outros órgãos de Estado, até por dificuldades que todos os governos vivem. O que vai resolver não é o Exército. Os outros vetores mudam a realidade.

No Haiti, qual o saldo depois de 11 anos de missão (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, a Minustah)?

A contribuição é enorme, mas será que o Haiti está em condições de andar pelas próprias pernas? Pegamos a fase inicial, que foi muito violenta, pegamos dois furacões e o terremoto. Muito foi feito, mas não o suficiente. Estão ocorrendo eleições no Haiti, e espera-se que se consolide uma normalidade política. No próximo ano, a previsão é sair do Haiti.

O Exército vai atuar na estratégia de defesa da Olimpíada. Muda muito em relação à Copa?

A Olimpíada é muito mais complexa. Cada modalidade é uma Copa do Mundo. Temos muitas Copas simultâneas em um espaço de tempo restrito. A questão do terrorismo preocupa. O Brasil não tem tradição de terrorismo, mas os Jogos Olímpicos têm.

Como evitar um ataque terrorista?

Exige atenção redobrada. A essência do terrorismo não é o combate ao terrorista, mas impedir que o terrorismo ocorra. Todas as medidas de segurança e inteligência são tomadas. Haverá um trabalho intenso na fronteira. Estamos preparados, devemos empregar entre 18 mil e 20 mil homens só do Exército.

Alguns especialistas dizem que o Brasil não teria condições de responder a uma guerra. É uma constatação correta?

É preciso entender o papel das Forças Armadas. O papel essencial é da dissuasão. Quando a Força é empregada é porque algo falhou. A dissuasão não pode ser um blefe, exige capacidade operacional reconhecida. Daí, a necessidade de prosseguirmos com os grandes projetos estratégicos, como o submarino nuclear, a aviação de caça, os blindados.

Seu pai era militar (Antônio Villas Bôas foi coronel do Exército). Pesou na escolha da carreira?

Influenciou, porque vivi um ambiente militar. Também tive infância ligada ao campo, em Cruz Alta, onde a família da minha mãe tinha fazenda. O papa João Paulo II dizia que ninguém é universal se não amar a própria aldeia. Minha aldeia é Cruz Alta, meu lastro afetivo vem de lá.

O senhor ingressou no Exército em 1967. Pegou o início do regime militar, a redemocratização, governos tucanos e petistas. O Exército mudou em quase 50 anos?

Tem gente que diz que o Exército mudou, mas sempre foi o mesmo porque os valores de hierarquia e patriotismo são os mesmos. O Exército tem cultura apegada às tradições e valores, e isso estabelece o desafio de preservar a cultura e evoluir ao mesmo tempo.

Sua trajetória ficou marcada pela atuação na Amazônia. O que aprendeu lá?

Minha carreira tem dois períodos. A primeira parte foi em torno da Academia das Agulhas Negras, onde fui instrutor, e, depois, em torno da Amazônia. O exercício da profissão militar na Amazônia tem sabor diferente. A Amazônia é um passivo geo-histórico que o Brasil tem. Ela tem papéis importantes, e o Brasil não se deu conta.

Por que não seu deu conta?

Inicialmente, pelas dificuldades de caráter econômico e pela área de difícil acesso. Hoje, tem o problema do politicamente correto, o país se deixou aprisionar, não viabiliza ações na Amazônia para explorar recursos preservando, com foco no desenvolvimento da população. A história mostra que subdesenvolvimento é sinônimo de dano ambiental. Enquanto não se oferecer alternativas à população para que deixe de derrubar, vai ser difícil.

É um risco quando organizações internacionais dizem como proceder na Amazônia?


Há uma tentativa de quase congelar a Amazônia, um ambientalismo fundamentalista. Ficamos imobilizados para qualquer investimento. O Brasil é um país com dificuldades na produção de energia, nosso grande potencial ainda está na Amazônia, só que não se pode construir grandes reservatórios. As usinas não produzem energia no potencial máximo. Com isso, continuamos queimando carvão e petróleo e emitindo gases de efeito estufa.

O senhor foi adido militar na China. Trouxe boas ou más lições?

Morei há 21 anos na China, quando o PIB do Brasil era maior. Veja o que é o sentido de projeto, a capacidade de planejamento. O Brasil das décadas de 30 a 80 foi o país do mundo que mais cresceu, mas cometemos um erro. Durante a Guerra Fria, permitimos que o Brasil perdesse a coesão. É urgente recuperar o sentido de projeto. É plausível que a gente volte a viver uma Guerra Fria, não mais com base em ideologias tradicionais. Qualquer confronto tem fundo econômico, mas se reveste de outros aspectos para ter legitimidade.

Uma nova Guerra Fria?


Podemos ver China e Estados Unidos disputando recursos naturais. O Brasil precisa recuperar a coesão e impor os nossos projetos. Daí, a importância da Lei de Anistia, da Comissão da Verdade. Essas coisas precisam ser superadas para termos coesão nacional.

Em momento de corte de gastos, é adequado manter o pagamento de pensões como as pagas a filhas de militares?

Quando foi concedido o benefício, era outro contexto social e econômico. Hoje, só mantém as pensões quem tem direito adquirido, que não se pode mexer. As novas gerações já não têm essa pensão. Então, a tendência é equilibrar contribuição e gasto médio.

A Justiça Militar justifica seu custo? E necessário um foro para militares?

Algumas pessoas acusam que é muito cara, pois a comparam com a Justiça comum. Mas é fundamental para a preservação da disciplina e precisa existir em razão de questões da atuação do Exército. Se trabalha no sentido de aumentar o escopo de atuação da Justiça Militar. Um militar é transferido, ele entra na Justiça comum para não ser transferido e a decisão leva um tempo enorme. A ideia é de que esse tipo de caso vá para a Justiça Militar.

O senhor é descrito como um militar de diálogo. É o seu jeito de comandar?

O general Leônidas (Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército, morto em junho) costumava dizer que hoje o exercício da profissão é mais difícil porque mecanismos de controle são maiores. Só hierarquia não é suficiente para tocar um empreendimento militar. Tem aquele estereótipo do militar carrancudo, para o qual durante a história os militares contribuíram, mas é um estereótipo que não corresponde mais à realidade.

Costuma-se falar na “solidão do comando”. É solitário comandar o Exército?


O comandante carrega a mochila da responsabilidade. Digo ao pessoal que trabalha comigo “não me deixem errar”, mas sei que a decisão é minha. É um peso, mas não sinto solidão. Sempre há grande receptividade. O único problema é orçamento e vencimento (folha salarial).

Há perspectiva de reajuste nos salários?


Havia perspectiva de escalonar um aumento a partir de janeiro, que foi postergada em sete meses. O problema é que a situação econômica é grave, isso nos aflige.

O Rio Grande do Sul tem forte presença militar. O futuro do Exército no Estado indica manter a presença ou levar unidades para outros lugares do país?

A confrontação estratégica do Prata, que ocorreu na colonização e após os processos de independência, resultou em um adensamento do dispositivo militar no Sul. Com o advento do Mercosul, a prioridade estratégica mudou para Amazônia. Em 1986, tínhamos efetivo de 6 mil militares na Amazônia, hoje temos 28 mil. No Sul, estamos preocupados com orçamento, talvez tenhamos de cortar unidades.



Vão fechar unidades no Estado?


Fechar unidades, o que é um processo traumático e doloroso. Temos de nos adequar ao limite do orçamento. O Comando Militar do Sul se diz “A Elite do Combate Convencional”, nossa força de blindados está lá. Santa Maria está se tornando um polo de defesa em razão da proatividade das lideranças, prefeito, empresas, universidades. Podemos diminuir quantitativamente no Estado, mas vamos evoluir qualitativamente.

Os cortes estão definidos?

São estudos em andamento. Definimos que o Exército fará redução de efetivo paulatina na ordem de 5% ao ano, mas não definimos até onde vai a diminuição. Mudanças importantes vão acontecer, e até o próximo ano teremos as definições.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

ORGULHO DE SER MILITAR

ZERO HORA 16/07/2015 - 11h05min


Saiba por que os brasileiros estão prestando continência quando ganham medalhas no Pan. Atletas que também são militares recebem apoio das Forças Armadas para competir




Mayra Aguiar venceu competição e prestou continência no pódio Foto: Harry How / AFP

A atitude de alguns atletas brasileiros nos Jogos Pan-Americanos de Toronto vem chamando a atenção durante a entrega de medalhas, no pódio. Na solenidade, os esportistas vêm prestando continência, que é um gesto de saudação militar em sinal de respeito.

Os atletas que colocaram a mão na linha da testa em posição de sentido viraram militares ao longo dos últimos anos. Eles foram aceitos pelas Forças Armadas para os Jogos Mundiais Militares, em 2011, no Rio de Janeiro. Atualmente, 610 pessoas fazem parte do quadro de esportistas, sendo 222 da Marinha, 200 do exército e 188 da Força Aérea Brasileira. Dos 590 atletas que representam o Brasil no Pan, 123 são militares.



Foto: Geoff Robins / AFP

Os esportistas militares brasileiros afirmam que a continência durante o hasteamento da bandeira nacional é um agradecimento ao apoio dado pelas Forças Armadas.

— Prestar continência para a bandeira é o que eles recomendam e a gente sente orgulho de fazer. Eles pediram para fazer, mas é uma coisa vem da gente. A gente ficou na iniciação lá dentro. Pegamos o espírito do militarismo. Isso ajudou bastante a gente. É um orgulho prestar essa homenagem e lembrando às pessoas o quanto eles estão nos ajudando com isso — disse a judoca Mayra Aguiar, terceiro-sargento da Marinha desde 2010 à Folha de São Paulo.

O Regulamento de Continências, Honras e Sinais de Respeito do Governo Federal prevê a continência como um sinal de respeito que deve ser prestado, estando ou não com a cabeça coberta. O atleta militar Leonardo de Deus, nadador campeão dos 200m estilo borboleta concorda com a saudação.

— Represento o Exército brasileiro. Somos ensinados que, sempre que o hino toca, o militar, por respeito, tem de bater continência e ficar em posição de sentido. É uma forma de respeito pela minha bandeira e meu país.

Os militares que fizeram o gesto fazem parte do programa de atletas de alto rendimento dos ministérios da Defesa e do Esporte. De acordo com o Terra, todos recebem treinamento, locais para capacitação, participação nas competições do Conselho Internacional do Esporte Militar, salário, 13º, plano de saúde, atendimento médico, odontológico, fisioterápico, alimentação e alojamento. Para receber o apoio, segundo a Folha, eles são obrigados a fazerem parte do Exército, Marinha ou Aeronáutica.

O Ministério da Defesa se manifestou em apoio ao gesto praticado pelos atletas em um post no Facebook.





O Comitê Olímpico do Brasil (Cob) publicou uma nota em seu site na tarde dessa quarta-feira. Eles afirmam que a continência, quando prestada de forma espontânea e não obrigatória, "é uma demonstração de patriotismo, sem qualquer conotação política, perfeitamente compatível com a emoção do atleta ao subir no pódio e se saber vencedor".

A publicação explica que o projeto em parceria com as Forças Armadas se iniciou em 2009, durante os Jogos Mundiais Militares. O objetivo era "formar uma equipe de militares capaz de representar com sucesso o anfitrião do evento". O Cob afirma que buscou inspiração em países como Alemanha, França, Itália e Hungria e que a aplicação da prática no Brasil gerou um "indiscutível sucesso".

Confira a íntegra da nota:

"O projeto de parceria das Forças Armadas (FA) com o Comitê Olímpico do Brasil (COB) teve início em 2009. Naquela ocasião, o Brasil fora escolhido para sediar os V Jogos Mundiais Militares e precisava formar uma equipe de militares capaz de representar com sucesso o anfitrião do evento. Por outro lado, o COB entendeu que o apoio das FA seria de grande valia na preparação de nossos atletas de alto rendimento.

Para avaliar o desafio, uma equipe do Ministério da Defesa e do COB viajou à Europa e verificou como isso funcionava em países como Alemanha, França, Itália, Hungria, etc. A Marinha e o Exército decidiram então publicar editais com as condições para seleção e admissão dos candidatos. Concretizava-se um sonho antigo daqueles que acreditavam que o exemplo de outras nações tinha tudo para dar certo no nosso país. Recentemente, a Força Aérea aderiu ao programa. Ministério da Defesa, Ministério do Esporte e Comitê Olímpico do Brasil uniram ações e recursos para que todas as dificuldades fossem superadas.

O indiscutível sucesso dessa iniciativa se reflete em números altamente positivos. Os atletas foram criteriosamente selecionados e passaram por treinamentos duros e períodos de adaptação à nova situação profissional. Hoje, mais de trezentos deles ganharam direitos e deveres da profissão militar. Com isso, se sentem ainda mais amparados para se superar a cada dia, em busca de vitórias que projetam o nome do Brasil. Dezenas de medalhas foram conquistadas por eles em competições internacionais de diferentes níveis.

Sobre o assunto que motivou essa introdução:

1 - O Regulamento de Continências, Honras e Sinais de Respeito prevê que a "continência é a saudação do militar". É um sinal de respeito que deve ser prestado, estando ou não com a cabeça coberta. Reza ainda que o militar da ativa deve, em ocasiões solenes, prestar continência à Bandeira e Hino Nacional Brasileiro e de países amigos. É bom notar que esses atletas não são militares apenas quando estão fardados, mas sim, todo o tempo.

2 - O COB entende, portanto, que a continência, além de regulamentar, quando prestada de forma espontânea e não obrigatória, é uma demonstração de patriotismo, sem qualquer conotação política, perfeitamente compatível com a emoção do atleta ao subir no pódio e se saber vencedor. Segundo muitos deles, representa também um reconhecimento pelo apoio que recebem das Forças Armadas e uma manifestação do orgulho que têm em representar o país. Atenciosamente,
Comitê Olímpico do Brasil"

domingo, 5 de julho de 2015

JUSTIÇA MILITAR CONDENA CIDADÃO SEM DIREITO DE DEFESA


O DIA 05/07/2015 00:50:59

Justiça militar condena cidadãos no Rio sem direito de defesa. Estudo feito pelo DIA e ONG Justiça Global localizou 64 processos envolvendo civis acusados por desacato, desobediência e resistência

Juliana Dal Piva


Rio - Passava das 8h quando o mototaxista Anderson de Oliveira, de 36 anos, saiu de casa para trabalhar. A manhã do dia 23 de abril de 2014 começava como tantas outras, mas a tensão pela ocupação recente do Exército na comunidade estava no ar. Oliveira recebeu do grupo de militares, na Vila dos Pinheiros, a ordem de parar. Era para ser uma das quatro ou cinco revistas diárias que, segundo ele, enfrentava. Não foi. O mototaxista diz que estacionou um pouco à frente do local onde estava um cabo. “Não mandei você parar, filho da p...?”, gritou o soldado. O mototaxista retrucou: “Filho da p... é mãe! Me respeita que eu te respeito.” O cabo deu um soco no rosto de Oliveira e um chute na perna.

A discussão aumentou e o mototaxista foi preso pelos militares acusado de desacato. Passados 30 anos do fim da ditadura militar, Anderson de Oliveira integra um grupo de cidadãos que respondem a ações por desacato, desobediência e resistência em auditorias militares. Um levantamento feito pelo DIA e a ONG Justiça Global localizou 64 processos envolvendo civis acusados por esses crimes na Justiça Militar no Rio. Nesses tribunais as pessoas são julgadas, em sua maioria, por oficiais das Forças Armadas. A primeira instância civil é o Supremo Tribunal Federal.
'Um carcereiro de apelido ‘Jesus’ era o pior. Não podia olhar nem o pé dele que tomava soco, conta Anderson Oliveira Foto: Bruno de Lima / Agência O Dia

A ONG identificou no arquivo digital do site do Superior Tribunal Militar 25 processos relativos ao período em que o Exército ocupou os complexos do Alemão e da Penha entre 2010 e 2012. Na Maré, apesar de a ocupação ter durado menos tempo, os números são ainda maiores. Em levantamento nas quatro auditorias militares do Rio, O DIA localizou outros 42 civis respondendo a 39 processos.

Todas as ações penais relativas à ocupação militar no Alemão e na Penha identificadas na pesquisa resultaram em condenação. Na Maré, a reportagem encontrou apenas uma condenação até o momento. O restante está em tramitação, como a ação contra Oliveira, que não foi julgada.

“Verificamos uma intensificação da atuação das Forças Armadas no cotidiano, realizando tarefas atípicas de sua função, como nas favelas. A consequência dessa atuação é o crescimento expressivo do número de civis processados e julgados por tribunais militares, mais comumente por desacato. Muitos deles são frutos da arbitrariedade e violações”, analisa Sandra Carvalho, diretora da Justiça Global.

Os crimes de resistência, desacato e desobediência estão previstos, respectivamente, nos artigos 177, 299, 300 do Código Penal Militar. Os dois primeiros têm pena de seis meses até dois anos de reclusão. Na maioria dos casos analisados, os acusados respondem por desacato. Em alguns, os réus acumulam as outras duas acusações.

No entanto, em geral, a Justiça Militar substitui a detenção por um monitoramento periódico do réu durante dois anos, chamado ‘sursis’. A condenação, porém, constará na ficha criminal do cidadão. Só depois de cinco anos do cumprimento da pena é possível pedir a reabilitação criminal, ou seja, limpar a ficha.
Foto: Agência O Dia




Na Justiça comum, o crime de desacato a servidor público não prevê prisão em flagrante. “Se um civil desacatar um presidente da República, ministro da Defesa ou comandante da Polícia Militar, responde em liberdade e pode receber o benefício de uma pena alternativa. Não vai preso”, compara a defensora pública Patrícia Blumenkrantz, que atende a maioria dos civis acusados na Justiça Militar.

Uma das dificuldades que cercam os processos, segundo Patrícia, é a falta de filmagem das abordagens, o que deixa a palavra do morador contra a dos militares e dificulta a comprovação de atos de violência. No estudo sobre o Alemão, a pesquisadora Natalia Dalmazio, da Justiça Global, identificou sete processos com denúncias do uso de spray de pimenta, balas de borracha, socos, tapas e chutes.

“Existiam testemunhos dos acusados de abusos de autoridade e violência por parte dos militares, o que na totalidade dos casos não foi levado em consideração pelo juízo na sentença”, afirma Natalia. Já na Maré, o Comando Militar do Leste informou, durante a retirada das tropas, semana passada, que fez 114 prisões em flagrante por desacato, desobediência e resistência. Apenas 39 processos foram abertos pelo Ministério Público Militar por essas acusações.

UNIÃO É CONDENADA PELA JUSTIÇA EM CASO DE AGRESSÃO A MORADOR


As lágrimas da filha de 9 anos vendo o pai ser preso ainda atormentam as lembranças de Anderson de Oliveira. O mais difícil de esquecer, porém, são os quase dois dias que passou numa cela em Bangu. “Aquilo mais parece uma casa de terror”, conta. Detido, ele foi levado para a delegacia militar no Centro de Preparação de Oficiais da Reseva (CPOR) e depois para a 21ª DP (Bonsucesso), para então ser encaminhado ao sistema prisional. Antes disso, fez o exame de corpo delito, que constatou a lesão em seu rosto deixada pelo soco desferido pelo cabo. O trâmite demorou pouco mais de um dia.

Oliveira chegou no início da noite de 24 de abril no pavilhão 10 do Complexo Penitenciário de Gericinó. Na entrada, ele e os outros presos foram enfileirados e receberam ordem para tirar a roupa. Ficaram nus durante uma hora na chuva. “Com as mãos para trás, só podia olhar para o chão. Se olhasse para cima ou se o carcereiro não gostasse, apanhava”, denuncia. O mototaxista diz que, um a um, os presos eram chamados pelos nomes para informar o motivo da prisão. “O cara vai te interrogando: ‘Qual teu crime, vagabundo?’”, conta.

Quando chegou a vez de Oliveira, os agentes riram ao ouvir o relato de desacato. Ele recebeu uma camisa, uma bermuda e ficou horas sentado com as pernas cruzadas, as mãos para trás e com a cabeça abaixada, esperando o momento de ir para a cela. Teve medo até de respirar. “Tinha um carcereiro de apelido ‘Jesus’ que era o pior. Não podia olhar nem o pé dele que tomava um soco”, conta. Oliveira diz que a metade dos presos que chegaram com ele foi espancada. Ele escapou.

Após obter a liberdade provisória, o advogado Geraldo Kautzner Marques, defensor de Oliveira, decidiu entrar na Justiça Comum contra o Estado. Um vizinho filmou a abordagem e duas testemunhas também presenciaram as agressões. O 3º Juizado Especial Federal condenou a União a pagar R$ 43.440 por danos morais. “A agressão foi à cidadania como instituto do Estado Democrático de Direito, e não só aquela sofrida pelo autor. A violação jurídica foi em grau máximo, pois a instituição militar e o Estado Brasileiro não podem ser maculados por ações idênticas àquelas narradas nos autos”, escreveu o juiz Marco Critsinelis na sentença. O Exército recorreu da decisão. Anderson de Oliveira, no entanto, ainda responde ao processo de desacato.

Julgamento de civis gera polêmica

O julgamento de civis por desacato, desobediência e resistência na Justiça Militar percorre um labirinto de leis que dificulta o consenso entre especialistas.

O Superior Tribunal Militar (STM) sustenta que a competência de julgar processos de desacato de civis ocorre em função do artigo 9º do Código Penal Militar, que trata de crimes militares em tempos de paz. Para o STM, as tropas que atuaram na Maré e no Alemão estavam em “atividade privativa das Forças Armadas” devido à Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A norma foi criada para permitir que as forças federais auxiliassem o Rio no processo de pacificação. Os territórios ficaram, durante um período, sob a responsabilidade do Exército.

As duas questões são polêmicas e provocam acalorados debates no meio jurídico. Para o advogado Geraldo Kautzner Marques, o acordo feito para o uso dos militares no Rio não configura uma GLO. “A previsão na Constituição para esse uso é de que ele seja pontual, episódico e temporário, como nas eleições. Além disso o governo estadual teria que admitir a ausência de policiamento disponível, como ocorreu na greve da polícia da Bahia”, explica.

Luiz Daniel Accioly Bastos, advogado especializado na área e militar reformado, acrescenta que a composição da própria Justiça Militar também não proporciona isenção para a defesa, tanto de civis quanto dos integrantes das Forças. Ele explica que o Conselho Permanente de Justiça — primeira instância de julgamento — é composto por cinco juízes, mas apenas um é civil concursado. Os quatro restantes são oficiais militares, e não há exigência de formação em Direito.

“Eles vêm com uma formação da academia militar. Vão verificar a questão da hierarquia e da disciplina. Não é um olhar que busca a visão de Justiça. Isso é ruim para um civil, mas também para os militares que são acusados”, afirma.

A defensora pública Patrícia Blumenkrantz argumenta ainda que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos orienta que os estados retirem o crime de desacato de suas legislações. “Ele viola a liberdade de expressão. O processo deveria ocorrer por injúria ou calúnia, por exemplo”, observa. A Argentina excluiu o desacato em 2008.

O julgamento da primeira instância nas auditorias tem recurso no STM e depois no Supremo Tribunal — a instância final e também a primeira civil a analisar os casos. Bastos explica que no STF há uma divisão de opiniões. Na Primeira Turma, uma decisão recente do ministo Luis Roberto Barroso confirmou a competência da Justiça Militar nesses casos. Na Segunda Turma, os magistrados liderados pelo ministro Celso de Mello entendem que um civil deve ser julgado somente na Justiça Comum. Mello defende, inclusive, a extinção da JM.

O Comando Militar do Leste diz que instalou uma ouvidoria na Maré e que investigou denúncias de abuso: “O foco foi atuar seletivamente contra os perturbadores da ordem pública, causando os menores transtornos à população.” O CML diz que as prisões observaram “os preceitos legais vigentes no país”.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

EXÉRCITO BRASILEIRO TEM TECNOLOGIA PARA COMBATER TERRORISMO

O SUL 24 de junho de 2015 5:17



Exército brasileiro já tem tecnologia para combater terrorismo nos Jogos Olímpicos em nosso País


Exército se prepara para ataques terroristas e com armas químicas. (Foto: Reprodução)



Preparando-se para um desafio sem precedentes no Brasil, as Forças Armadas intensificaram os treinamentos para conter e prevenir possíveis ataques terroristas com armas químicas, nucleares, bacteriológicas e radiológicas nos Jogos Olímpicos e Paralimpícos no Rio de Janeiro, em 2016.

Só o Exército, através do 1° Batalhão de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear, conta com pelo menos 400 homens treinados para a localização e varreduras de agentes químicos e descontaminação de ambiente e pessoas, além de resgates de vítimas. Laboratórios e equipamentos, únicos na América Latina, orçados em mais de 60 milhões de reais, são testados diariamente, há oito meses, nas unidades militares.

Segundo a assessoria de imprensa do Comando Militar do Leste, a tarefa de proteger contra atentados não convencionais – hipóteses consideradas altas, uma vez que o País receberá visitantes de mais de 200 nações – obedecerá a protocolos de padrões internacionais rigorosos, como os que vêm sendo empregados no exterior em relação às organizações mais temidas do planeta, entre elas a Al Qaeda e o EI (Estado Islâmico). O efetivo recebe instruções de especialistas da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e da Organização para Proibição de Armas Químicas.

A tecnologia será a principal aliada de cabos e soldados contra os chamados ataques de bombas sujas. A atenção maior será voltada para aeroportos e para as 158 principais instalações de competição e hospedagens das delegações internacionais.

Três laboratórios móveis de análises químicas e biológicas serão instrumentos destacados contra o terrorismo. Além disso, o Exército contará com o Scanning Infrared Gas Imaging, equipamento de monitoração e identificação de substâncias perigosas. Operado por controle remoto, o dispositivo identifica qualquer elemento químico ameaçador a uma distância de 5 quilômetros.

Bactérias e medo

Entre os agentes biológicos, a atenção das tropas está voltada para as seguintes substâncias: Antraz (bactéria que mata em 100% dos infectados), Botulismo (forma de intoxicação alimentar altamente fatal), Ricina (substância que se ingerida ou inalada, leva a vítima à morte entre 24h e 72h), Varíola, Tularemia (que causa úlceras severas na pele), Brucelose (Febre de Malta), Coxiella Brunetii (conhecida como Febre Q, desenvolve pneumonia, hepatite ou febre prolongada, com morte em 70% dos casos), E. Coli O157 H7 (colite hemorrágica), Salmonella (febre tifoide) e Peste Bubônica. (AD)