sábado, 24 de agosto de 2013

O ERRO DE ESQUECER



O Comando Militar do Leste não parece perceber que a tropa de hoje não é herdeira da ditadura militar


ARTIGO - LUIZ GARCIA
O GLOBO 23/08/13 - 0h00


O regime militar acabou há décadas, e não deixou saudades. Ou, pelo menos, poucos se atrevem a defender aquele período de nossa história, que começou com as melhores intenções e terminou desmoralizado por uma condenação, generalizada ou quase isso, da opinião pública. Com o apoio de boa parte dos militares.

Não há dúvida que muitos brasileiros, principalmente os que usam farda, prefiram esquecer aquela parte de nossa história. É um desejo até compreensível, mas, lamentavelmente, vai de encontro a uma verdade antiga, que continua valendo: quem varre da memória os seus erros, corre sério risco de repeti-los.

Isso vem a propósito de um episódio destes dias. É uma divergência entre autoridades militares e o Ministério Público Federal, apoiado pela Comissão Estadual da Verdade. A briga é em torno de um prédio na Tijuca, que pertence ao Exército e serviu, durante a ditadura militar, como prisão e centro de torturas de inimigos do regime.

Os órgãos civis pretendem transformá-lo numa espécie de centro de memória dos anos de chumbo. Os militares se opõem ao projeto, com um argumento frouxo: alegam que a Comissão da Verdade, por ser estadual, não pode se meter em assunto da área federal. O defeito desse argumento é o fato que o projeto é também do Ministério Público Federal.

Mas há um defeito maior: o Comando Militar do Leste não parece perceber que está brigando com uma iniciativa que não representa qualquer ofensa às autoridades militares. Elas não são herdeiras da ditadura militar, assim como os políticos de hoje não têm qualquer parentesco com aqueles que serviram ao regime militar — e não foram poucos.

O projeto do centro de memória tem mérito evidente, como diz o seu próprio nome. Um país que tenta esquecer os dias negros de sua história — e não há aquele que não os tem — corre sério risco de repeti-los. Há exemplos disso no mundo inteiro. As lições do passado, tanto as boas como as ruins, são inestimáveis.

Os militares brasileiros de hoje não têm qualquer compromisso com a ditadura militar de décadas atrás. Muito pelo contrário: é óbvia a sua dedicação ao regime democrático. Faz parte do seu perfil, por isso mesmo, contribuir para que ninguém se esqueça de um período de nossa história de que ninguém, fardado ou civil, deseja ver repetido — nem esquecido.

Luiz Garcia é jornalista

terça-feira, 6 de agosto de 2013

TCU CONDENA CASERNA DE LUXO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2281 | 02.Ago.13 - 20:40 | Atualizado em 06.Ago.13 - 17:44


Tribunal de Contas cancelou financiamento de imóvel que privilegiava grupo seleto do Exército e pediu abertura de inquérito civil para apurar irregularidades apontadas por ISTOÉ

Claudio Dantas Sequeira


Em 2010, o Comando do Exército tentou subsidiar ilegalmente a construção de um condomínio de luxo num dos bairros mais exclusivos de Brasília. A operação beneficiaria um seleto grupo de 48 oficiais de alta patente. Para esses poucos privilegiados, a compra de apartamentos de alto padrão, com até 180 m2, no bairro Noroeste, sairia por cerca de R$ 750 mil, a metade do preço de mercado. O negócio de mais de R$ 36 milhões foi denunciado por ISTOÉ na reportagem intitulada “Caserna de Luxo”. Com base na denúncia, de maio de 2010, o Ministério Público junto ao TCU solicitou diversas diligências e produziu um relatório contundente condenando o empreendimento. Em sessão reservada, no início de julho, os ministros determinaram o cancelamento da venda e abertura de inquérito civil.



Além de apurar as responsabilidades, o TCU quer impedir o uso indevido da Fundação Habitacional do Exército (FHE) para a promoção de interesses particulares de um grupo de oficiais do Alto Comando das Forças Armadas. Na lista dos que seriam privilegiados com o empreendimento, os auditores encontraram ao menos oito generais e dois coronéis ligados ao comandante do Exército, Enzo Peri, e que ocupam ou ocuparam cargos estratégicos na própria FHE. Estão lá, por exemplo, o atual secretário de Economia e Finanças do Exército, general Gilberto Arantes Barbosa, e seu número dois, Carlos Henrique Carvalho Primo. Também integram a lista o general João Roberto de Oliveira, assessor especial de Peri e responsável pelo projeto Sisfron para vigilância das fronteiras, assim como o general da reserva José Rosalvo Leitão de Almeida, que trabalha em contrato especial para cuidar do patrimônio imobiliário do Ministério da Defesa, e o general Joaquim Silva e Luna, chefe do Estado-Maior do Exército.



Para o TCU, ficou configurado “inequívoco conflito de interesses entre a Fundação Habitacional do Exército e os pretendentes da aquisição de imóveis”. Os empreendimentos da FHE, uma fundação pública de direito privado, são financiados pela Poupex, poupança que gere recursos de mais de 1,4 milhão de associados, a maioria militares de média e baixa patente que contribuem mensalmente para ter acesso à casa própria. O negócio do Noroeste representaria mais de 20% de todos os recursos (R$ 170 milhões) comprometidos em mais de 4,5 mil financiamentos aprovados em 2010.