quinta-feira, 16 de julho de 2015

ORGULHO DE SER MILITAR

ZERO HORA 16/07/2015 - 11h05min


Saiba por que os brasileiros estão prestando continência quando ganham medalhas no Pan. Atletas que também são militares recebem apoio das Forças Armadas para competir




Mayra Aguiar venceu competição e prestou continência no pódio Foto: Harry How / AFP

A atitude de alguns atletas brasileiros nos Jogos Pan-Americanos de Toronto vem chamando a atenção durante a entrega de medalhas, no pódio. Na solenidade, os esportistas vêm prestando continência, que é um gesto de saudação militar em sinal de respeito.

Os atletas que colocaram a mão na linha da testa em posição de sentido viraram militares ao longo dos últimos anos. Eles foram aceitos pelas Forças Armadas para os Jogos Mundiais Militares, em 2011, no Rio de Janeiro. Atualmente, 610 pessoas fazem parte do quadro de esportistas, sendo 222 da Marinha, 200 do exército e 188 da Força Aérea Brasileira. Dos 590 atletas que representam o Brasil no Pan, 123 são militares.



Foto: Geoff Robins / AFP

Os esportistas militares brasileiros afirmam que a continência durante o hasteamento da bandeira nacional é um agradecimento ao apoio dado pelas Forças Armadas.

— Prestar continência para a bandeira é o que eles recomendam e a gente sente orgulho de fazer. Eles pediram para fazer, mas é uma coisa vem da gente. A gente ficou na iniciação lá dentro. Pegamos o espírito do militarismo. Isso ajudou bastante a gente. É um orgulho prestar essa homenagem e lembrando às pessoas o quanto eles estão nos ajudando com isso — disse a judoca Mayra Aguiar, terceiro-sargento da Marinha desde 2010 à Folha de São Paulo.

O Regulamento de Continências, Honras e Sinais de Respeito do Governo Federal prevê a continência como um sinal de respeito que deve ser prestado, estando ou não com a cabeça coberta. O atleta militar Leonardo de Deus, nadador campeão dos 200m estilo borboleta concorda com a saudação.

— Represento o Exército brasileiro. Somos ensinados que, sempre que o hino toca, o militar, por respeito, tem de bater continência e ficar em posição de sentido. É uma forma de respeito pela minha bandeira e meu país.

Os militares que fizeram o gesto fazem parte do programa de atletas de alto rendimento dos ministérios da Defesa e do Esporte. De acordo com o Terra, todos recebem treinamento, locais para capacitação, participação nas competições do Conselho Internacional do Esporte Militar, salário, 13º, plano de saúde, atendimento médico, odontológico, fisioterápico, alimentação e alojamento. Para receber o apoio, segundo a Folha, eles são obrigados a fazerem parte do Exército, Marinha ou Aeronáutica.

O Ministério da Defesa se manifestou em apoio ao gesto praticado pelos atletas em um post no Facebook.





O Comitê Olímpico do Brasil (Cob) publicou uma nota em seu site na tarde dessa quarta-feira. Eles afirmam que a continência, quando prestada de forma espontânea e não obrigatória, "é uma demonstração de patriotismo, sem qualquer conotação política, perfeitamente compatível com a emoção do atleta ao subir no pódio e se saber vencedor".

A publicação explica que o projeto em parceria com as Forças Armadas se iniciou em 2009, durante os Jogos Mundiais Militares. O objetivo era "formar uma equipe de militares capaz de representar com sucesso o anfitrião do evento". O Cob afirma que buscou inspiração em países como Alemanha, França, Itália e Hungria e que a aplicação da prática no Brasil gerou um "indiscutível sucesso".

Confira a íntegra da nota:

"O projeto de parceria das Forças Armadas (FA) com o Comitê Olímpico do Brasil (COB) teve início em 2009. Naquela ocasião, o Brasil fora escolhido para sediar os V Jogos Mundiais Militares e precisava formar uma equipe de militares capaz de representar com sucesso o anfitrião do evento. Por outro lado, o COB entendeu que o apoio das FA seria de grande valia na preparação de nossos atletas de alto rendimento.

Para avaliar o desafio, uma equipe do Ministério da Defesa e do COB viajou à Europa e verificou como isso funcionava em países como Alemanha, França, Itália, Hungria, etc. A Marinha e o Exército decidiram então publicar editais com as condições para seleção e admissão dos candidatos. Concretizava-se um sonho antigo daqueles que acreditavam que o exemplo de outras nações tinha tudo para dar certo no nosso país. Recentemente, a Força Aérea aderiu ao programa. Ministério da Defesa, Ministério do Esporte e Comitê Olímpico do Brasil uniram ações e recursos para que todas as dificuldades fossem superadas.

O indiscutível sucesso dessa iniciativa se reflete em números altamente positivos. Os atletas foram criteriosamente selecionados e passaram por treinamentos duros e períodos de adaptação à nova situação profissional. Hoje, mais de trezentos deles ganharam direitos e deveres da profissão militar. Com isso, se sentem ainda mais amparados para se superar a cada dia, em busca de vitórias que projetam o nome do Brasil. Dezenas de medalhas foram conquistadas por eles em competições internacionais de diferentes níveis.

Sobre o assunto que motivou essa introdução:

1 - O Regulamento de Continências, Honras e Sinais de Respeito prevê que a "continência é a saudação do militar". É um sinal de respeito que deve ser prestado, estando ou não com a cabeça coberta. Reza ainda que o militar da ativa deve, em ocasiões solenes, prestar continência à Bandeira e Hino Nacional Brasileiro e de países amigos. É bom notar que esses atletas não são militares apenas quando estão fardados, mas sim, todo o tempo.

2 - O COB entende, portanto, que a continência, além de regulamentar, quando prestada de forma espontânea e não obrigatória, é uma demonstração de patriotismo, sem qualquer conotação política, perfeitamente compatível com a emoção do atleta ao subir no pódio e se saber vencedor. Segundo muitos deles, representa também um reconhecimento pelo apoio que recebem das Forças Armadas e uma manifestação do orgulho que têm em representar o país. Atenciosamente,
Comitê Olímpico do Brasil"

domingo, 5 de julho de 2015

JUSTIÇA MILITAR CONDENA CIDADÃO SEM DIREITO DE DEFESA


O DIA 05/07/2015 00:50:59

Justiça militar condena cidadãos no Rio sem direito de defesa. Estudo feito pelo DIA e ONG Justiça Global localizou 64 processos envolvendo civis acusados por desacato, desobediência e resistência

Juliana Dal Piva


Rio - Passava das 8h quando o mototaxista Anderson de Oliveira, de 36 anos, saiu de casa para trabalhar. A manhã do dia 23 de abril de 2014 começava como tantas outras, mas a tensão pela ocupação recente do Exército na comunidade estava no ar. Oliveira recebeu do grupo de militares, na Vila dos Pinheiros, a ordem de parar. Era para ser uma das quatro ou cinco revistas diárias que, segundo ele, enfrentava. Não foi. O mototaxista diz que estacionou um pouco à frente do local onde estava um cabo. “Não mandei você parar, filho da p...?”, gritou o soldado. O mototaxista retrucou: “Filho da p... é mãe! Me respeita que eu te respeito.” O cabo deu um soco no rosto de Oliveira e um chute na perna.

A discussão aumentou e o mototaxista foi preso pelos militares acusado de desacato. Passados 30 anos do fim da ditadura militar, Anderson de Oliveira integra um grupo de cidadãos que respondem a ações por desacato, desobediência e resistência em auditorias militares. Um levantamento feito pelo DIA e a ONG Justiça Global localizou 64 processos envolvendo civis acusados por esses crimes na Justiça Militar no Rio. Nesses tribunais as pessoas são julgadas, em sua maioria, por oficiais das Forças Armadas. A primeira instância civil é o Supremo Tribunal Federal.
'Um carcereiro de apelido ‘Jesus’ era o pior. Não podia olhar nem o pé dele que tomava soco, conta Anderson Oliveira Foto: Bruno de Lima / Agência O Dia

A ONG identificou no arquivo digital do site do Superior Tribunal Militar 25 processos relativos ao período em que o Exército ocupou os complexos do Alemão e da Penha entre 2010 e 2012. Na Maré, apesar de a ocupação ter durado menos tempo, os números são ainda maiores. Em levantamento nas quatro auditorias militares do Rio, O DIA localizou outros 42 civis respondendo a 39 processos.

Todas as ações penais relativas à ocupação militar no Alemão e na Penha identificadas na pesquisa resultaram em condenação. Na Maré, a reportagem encontrou apenas uma condenação até o momento. O restante está em tramitação, como a ação contra Oliveira, que não foi julgada.

“Verificamos uma intensificação da atuação das Forças Armadas no cotidiano, realizando tarefas atípicas de sua função, como nas favelas. A consequência dessa atuação é o crescimento expressivo do número de civis processados e julgados por tribunais militares, mais comumente por desacato. Muitos deles são frutos da arbitrariedade e violações”, analisa Sandra Carvalho, diretora da Justiça Global.

Os crimes de resistência, desacato e desobediência estão previstos, respectivamente, nos artigos 177, 299, 300 do Código Penal Militar. Os dois primeiros têm pena de seis meses até dois anos de reclusão. Na maioria dos casos analisados, os acusados respondem por desacato. Em alguns, os réus acumulam as outras duas acusações.

No entanto, em geral, a Justiça Militar substitui a detenção por um monitoramento periódico do réu durante dois anos, chamado ‘sursis’. A condenação, porém, constará na ficha criminal do cidadão. Só depois de cinco anos do cumprimento da pena é possível pedir a reabilitação criminal, ou seja, limpar a ficha.
Foto: Agência O Dia




Na Justiça comum, o crime de desacato a servidor público não prevê prisão em flagrante. “Se um civil desacatar um presidente da República, ministro da Defesa ou comandante da Polícia Militar, responde em liberdade e pode receber o benefício de uma pena alternativa. Não vai preso”, compara a defensora pública Patrícia Blumenkrantz, que atende a maioria dos civis acusados na Justiça Militar.

Uma das dificuldades que cercam os processos, segundo Patrícia, é a falta de filmagem das abordagens, o que deixa a palavra do morador contra a dos militares e dificulta a comprovação de atos de violência. No estudo sobre o Alemão, a pesquisadora Natalia Dalmazio, da Justiça Global, identificou sete processos com denúncias do uso de spray de pimenta, balas de borracha, socos, tapas e chutes.

“Existiam testemunhos dos acusados de abusos de autoridade e violência por parte dos militares, o que na totalidade dos casos não foi levado em consideração pelo juízo na sentença”, afirma Natalia. Já na Maré, o Comando Militar do Leste informou, durante a retirada das tropas, semana passada, que fez 114 prisões em flagrante por desacato, desobediência e resistência. Apenas 39 processos foram abertos pelo Ministério Público Militar por essas acusações.

UNIÃO É CONDENADA PELA JUSTIÇA EM CASO DE AGRESSÃO A MORADOR


As lágrimas da filha de 9 anos vendo o pai ser preso ainda atormentam as lembranças de Anderson de Oliveira. O mais difícil de esquecer, porém, são os quase dois dias que passou numa cela em Bangu. “Aquilo mais parece uma casa de terror”, conta. Detido, ele foi levado para a delegacia militar no Centro de Preparação de Oficiais da Reseva (CPOR) e depois para a 21ª DP (Bonsucesso), para então ser encaminhado ao sistema prisional. Antes disso, fez o exame de corpo delito, que constatou a lesão em seu rosto deixada pelo soco desferido pelo cabo. O trâmite demorou pouco mais de um dia.

Oliveira chegou no início da noite de 24 de abril no pavilhão 10 do Complexo Penitenciário de Gericinó. Na entrada, ele e os outros presos foram enfileirados e receberam ordem para tirar a roupa. Ficaram nus durante uma hora na chuva. “Com as mãos para trás, só podia olhar para o chão. Se olhasse para cima ou se o carcereiro não gostasse, apanhava”, denuncia. O mototaxista diz que, um a um, os presos eram chamados pelos nomes para informar o motivo da prisão. “O cara vai te interrogando: ‘Qual teu crime, vagabundo?’”, conta.

Quando chegou a vez de Oliveira, os agentes riram ao ouvir o relato de desacato. Ele recebeu uma camisa, uma bermuda e ficou horas sentado com as pernas cruzadas, as mãos para trás e com a cabeça abaixada, esperando o momento de ir para a cela. Teve medo até de respirar. “Tinha um carcereiro de apelido ‘Jesus’ que era o pior. Não podia olhar nem o pé dele que tomava um soco”, conta. Oliveira diz que a metade dos presos que chegaram com ele foi espancada. Ele escapou.

Após obter a liberdade provisória, o advogado Geraldo Kautzner Marques, defensor de Oliveira, decidiu entrar na Justiça Comum contra o Estado. Um vizinho filmou a abordagem e duas testemunhas também presenciaram as agressões. O 3º Juizado Especial Federal condenou a União a pagar R$ 43.440 por danos morais. “A agressão foi à cidadania como instituto do Estado Democrático de Direito, e não só aquela sofrida pelo autor. A violação jurídica foi em grau máximo, pois a instituição militar e o Estado Brasileiro não podem ser maculados por ações idênticas àquelas narradas nos autos”, escreveu o juiz Marco Critsinelis na sentença. O Exército recorreu da decisão. Anderson de Oliveira, no entanto, ainda responde ao processo de desacato.

Julgamento de civis gera polêmica

O julgamento de civis por desacato, desobediência e resistência na Justiça Militar percorre um labirinto de leis que dificulta o consenso entre especialistas.

O Superior Tribunal Militar (STM) sustenta que a competência de julgar processos de desacato de civis ocorre em função do artigo 9º do Código Penal Militar, que trata de crimes militares em tempos de paz. Para o STM, as tropas que atuaram na Maré e no Alemão estavam em “atividade privativa das Forças Armadas” devido à Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A norma foi criada para permitir que as forças federais auxiliassem o Rio no processo de pacificação. Os territórios ficaram, durante um período, sob a responsabilidade do Exército.

As duas questões são polêmicas e provocam acalorados debates no meio jurídico. Para o advogado Geraldo Kautzner Marques, o acordo feito para o uso dos militares no Rio não configura uma GLO. “A previsão na Constituição para esse uso é de que ele seja pontual, episódico e temporário, como nas eleições. Além disso o governo estadual teria que admitir a ausência de policiamento disponível, como ocorreu na greve da polícia da Bahia”, explica.

Luiz Daniel Accioly Bastos, advogado especializado na área e militar reformado, acrescenta que a composição da própria Justiça Militar também não proporciona isenção para a defesa, tanto de civis quanto dos integrantes das Forças. Ele explica que o Conselho Permanente de Justiça — primeira instância de julgamento — é composto por cinco juízes, mas apenas um é civil concursado. Os quatro restantes são oficiais militares, e não há exigência de formação em Direito.

“Eles vêm com uma formação da academia militar. Vão verificar a questão da hierarquia e da disciplina. Não é um olhar que busca a visão de Justiça. Isso é ruim para um civil, mas também para os militares que são acusados”, afirma.

A defensora pública Patrícia Blumenkrantz argumenta ainda que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos orienta que os estados retirem o crime de desacato de suas legislações. “Ele viola a liberdade de expressão. O processo deveria ocorrer por injúria ou calúnia, por exemplo”, observa. A Argentina excluiu o desacato em 2008.

O julgamento da primeira instância nas auditorias tem recurso no STM e depois no Supremo Tribunal — a instância final e também a primeira civil a analisar os casos. Bastos explica que no STF há uma divisão de opiniões. Na Primeira Turma, uma decisão recente do ministo Luis Roberto Barroso confirmou a competência da Justiça Militar nesses casos. Na Segunda Turma, os magistrados liderados pelo ministro Celso de Mello entendem que um civil deve ser julgado somente na Justiça Comum. Mello defende, inclusive, a extinção da JM.

O Comando Militar do Leste diz que instalou uma ouvidoria na Maré e que investigou denúncias de abuso: “O foco foi atuar seletivamente contra os perturbadores da ordem pública, causando os menores transtornos à população.” O CML diz que as prisões observaram “os preceitos legais vigentes no país”.