quinta-feira, 29 de março de 2012

CONTROLE CIVIL DAS PRISÕES MILITARES

Alexandre Barros, Cientista político (ph.D pela University of Chicago), é analista de Risco Político - O Estado de S.Paulo, 29/03/2012

"Tendo feito todo o esforço para guiar os superiores civis na direção que ele acha certa, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (Joint Chiefs of Staff) deve aceitar as decisões do secretário da Força, do secretário de Defesa e do presidente como finais e, daí para adiante, apoiá-lo perante o Congresso. A alternativa é a renúncia(demissão voluntária)."General Maxwell Taylor, ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos


No Brasil, vivemos de escaramuças entre civis e militares. Ou é a Comissão da Verdade, ou o revanchismo e, agora, o tema do controle das prisões militares por autoridades civis. Militares, como outros cidadãos quaisquer, nas democracias devem ser controlados pelo poder civil.

Foi o presidente Truman que decidiu jogar as bombas atômicas no Japão. Aos militares coube coordenar sua produção e dizer ao presidente que a arma estava disponível. Mas a responsabilidade de lançá-la e explodi-la foi do presidente. Assim foi feito porque assim é que tem de ser feito numa democracia.

No Brasil vivemos num sistema de relações civis-militares cinzento. Os militares têm sistemas separados para tudo: salários, pensões, assistência médica e punições disciplinares, até prisão em instituições militares. Tudo isso tem raízes históricas em tempos de guerra. Não deviam aplicar-se a tempos de paz.

Os salários são diferentes porque nos tempos em que na Europa só se guerreava na primavera e no verão os soldados mercenários ficavam desempregados durante o resto do ano. Alguns governantes resolveram que eles precisavam ficar fora dos limites das cidades fortificadas porque senão acabavam fazendo arruaças. A maneira funcional de evitar que os soldados sem trabalho atacassem os governantes foi comprar sua docilidade com pagamentos, mesmo quando eles não estavam guerreando.

Dentistas só eram temidos quanto tinham os seus boticões nas mãos e os clientes, sentados na cadeira. Fora isso, eram inofensivos. Os militares, porque armados, eram temidos sempre. E por isso ganharam regalias.

Alguns governantes conseguiram romper essa couraça de privilégios oriundos de situações específicas de guerra e o mais eficiente exemplo foi também o menos edificante. Adolf Hitler conseguiu dominar os militares alemães, que tinham sido a base de formação e de sustentação do Estado prussiano, por meio da formação de forças paralelas aos militares, só que armadas. Primeiros foram as SA e depois as SS. A submissão dos militares, portanto, ocorreu, entre outros motivos, porque Hitler criou forças armadas paralelas que podiam opor-se a eles. Para eliminar a "hitlerização" dos militares trazê-los de volta à democracia o general conde Wolf von Baudissin desenvolveu um trabalho fundamental após o fim da 2.ª Guerra Mundial.

Antes que algum leitor assustado ache que estou promovendo ideias de Hitler, escolhi o exemplo para mostrar como é difícil controlar os militares, sobretudo na ausência de uma tradição político-cultural-constitucional para fazer isso, como é o caso dos Estados Unidos e da Inglaterra. De Gaulle era general e presidente da França e enfrentou a rebelião e o terrorismo dos militares de direita por conta da independência da Argélia.

Mas chega de histórias alienígenas. Concentremo-nos aqui.

As Forças Armadas brasileiras não se envolvem em nenhuma guerra externa (que é para o que elas existem) há mais de cem anos. O envolvimento na 2.ª Guerra Mundial foi mais simbólico do que numérica ou temporalmente significativo, ainda que nos tenha deixado heranças edificantes, e menos edificantes, durante o período da guerra fria.

Agora estamos diante da Comissão da Verdade e da Lei da Anistia. Poderemos resolver isso democraticamente, mas ainda não dá para saber e esta vai sobrepor-se a àquela, ou vice versa. O jogo democrático é que definirá isso.

Agora surgiram os problemas das prisões militares, que o governo civil quer e deve poder inspecionar. Afinal, por que manter as prisões militares em tempos de paz? E mais: cento e tantos anos de paz!

Em algum momento os militares precisarão adaptar-se ao princípio da superioridade civil. E isso inclui permitir a inspeção de prisões militares, em que são postos atrás de grades, entre outros, cidadãos que entraram para as Forças Armadas não porque quisessem, mas porque uma lei os obrigou a prestar o serviço militar. Este não passa de um imposto disfarçado cobrado dos cidadãos maiores de 18 anos, sob forma de trabalho e de renúncia a ganhos e/ou educação, durante um ano. Se vivemos num regime constitucional, não é possível manter encarcerados cidadãos sem terem sido condenados por um tribunal civil. Se a lei permite isso, é hora de mudar a lei.

Eu tive o desprazer de passar um fim de semana estendido (Dia de Todos os Santos e Finados) detido por causa da arbitrariedade de um tenente que resolveu punir-me por eu ter falado com um capitão sem pedir permissão a ele - tenente. Só que não tomei a iniciativa de falar com o capitão, apenas respondi a uma pergunta que ele me fez.

Esse episódio foi suficiente para sentir o peso do que podem ser as arbitrariedades dentro de um quartel, já que a instituição militar não está sujeita a nenhum controle externo independente. Portanto, melhor que não tenhamos prisões militares fora do controle do Judiciário civil.

Prisões são a melhor maneira de tornar as pessoas piores. Não acredito que nenhum dos meus colegas de serviço militar que foram presos tenha de lá saído melhor, nem um pouco.

Se, de todo, por questões políticas, ainda não for possível acabar com as prisões militares em tempo de paz, ao menos que um poder independente do sistema militar possa fiscalizá-las.

quarta-feira, 28 de março de 2012

TRANSIÇÃO MILITAR NA UPP


Começa no Rio nova etapa de pacificação de favelas. Bope ocupou áreas do Complexo do Alemão, numa ação que prepara a saída do Exército do local - ZERO HORA 28/03/2012

A Polícia Militar do Rio de Janeiro iniciou ontem uma varredura em duas comunidades do Complexo do Alemão, na Zona Norte, para a instalação das primeiras Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no local. A operação representa a preparação para a retirada do Exército da comunidade. Os militares estão na região desde novembro de 2010, mas até junho os cerca de 2 mil homens serão substituídos por PMs, numa transição gradual.

Os 750 homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque vão permanecer nas favelas Nova Brasília e Fazendinha por 10 dias. Nesse intervalo serão instaladas as duas primeiras UPPs no complexo, que compreende 13 favelas. Os PMs não encontraram resistências ao entrar na área. Três homens foram presos, um deles suspeito de ser o atual líder do tráfico na região. Foram apreendidas armas e drogas, além de produtos falsificados.

A transição no Alemão ocorre no momento em que se tenta administrar uma crise na Rocinha, com a volta da disputa pelo tráfico. Ontem, a PM anunciou novo aumento do efetivo responsável pelo policiamento na comunidade, na zona sul da cidade, ocupada desde novembro passado. Mais 40 policiais foram enviados para a favela, que já havia recebido 130 na última sexta-feira. Agora já são 350 os PMs em ação na Rocinha, que ainda não tem data para receber UPP.

A comunidade foi palco de crimes e confrontos nos últimos dias, quando nove pessoas foram assassinadas, entre elas um líder comunitário suspeito de envolvimento com o traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem.

O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, defendeu a ocupação:

– Não podemos dizer que em quatro meses vamos trazer a paz total para essa comunidade nem para o Rio de Janeiro. Se tiver que colocar mais policiais, nós vamos colocar. A população pode acreditar que nessas comunidades onde já estamos não vai haver nenhum tipo de recuo, porque a ocupação é absolutamente necessária.

Segundo Beltrame, os crimes na Rocinha foram praticados por criminosos prejudicados pela ocupação policial.

O governador Sérgio Cabral (PMDB) emitiu nota. Segundo ele, a polícia está enfrentando um “tumor que estava matando o Rio de Janeiro”.

SUA SEGURANÇA | Humberto Trezzi. Mais do que na hora

A PM do Rio começou ontem a fazer a varredura final nas favelas Nova Brasília e Fazendinha para implantar as primeiras Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no chamado Complexo do Alemão, composto de 13 comunidades. Já era mais do que hora disso acontecer.

O Alemão, como é chamado pelos moradores, era o maior QG do crime organizado no Rio. As comunidades do complexo eram as que reuniam mais bandidos armados. E isso ficou escancarado após a fuga de centenas de criminosos com fuzis nas mãos, mostrada ao vivo pelas TVs, em novembro de 2010. Tomados aqueles morros, o Exército permaneceu lá, inclusive com tropas gaúchas. Até certa forma, uma decisão controversa, porque as Forças Armadas não conhecem bem os criminosos. É até possível que tenham conseguido se reorganizar, como está acontecendo na Rocinha, que já tem uma UPP e, apesar disso, enfrenta uma guerra de quadrilhas pelo controle do tráfico.

segunda-feira, 19 de março de 2012

OPERAÇÃO DE GUERRA PARA GARANTIR A PAZ


GAÚCHOS NO RIO. Uma operação de guerra para garantir a paz. Cerca de 800 militares do RS trabalham para manter a tranquilidade de morros pacificados - LUÍS EDUARDO SILVA | RIO DE JANEIRO, zero hora 19/03/2012

Enquanto a maioria das pessoas que vai ao Rio busca sossego e cenários paradisíacos, os 1,6 mil militares – metade deles gaúchos – trabalham para garantir o sossego de moradores em cenários diferentes. A operação em dois dos maiores complexos de favelas da América Latina é de guerra, mas o objetivo é garantir a paz.

Foram milhares de patrulhamentos desde a chegada dos militares, em 2010. Mas cada subida do morro é diferente e, por isso, orientações são repassadas todos os dias. Os militares estão organizados em duas bases, a da Coca-Cola, uma antiga fábrica de refrigerantes no morro do Alemão, e a base da Penha, onde funcionava um parque.

A formação das tropas varia muito, dependendo do trabalho. Por vezes, são quatro motocicletas, dois Marruás – tipo de caminhão usado para carregar militares e com força suficiente para encarar as ruas íngremes dos morros – e mais um carro blindado. Em outras, apenas os Marruás escoltados por motocicletas fazem o trabalho.

A subida do morro é tensa. Sob o olhar desconfiado dos moradores, os militares percorrem ruas estreitas, entre casebres, becos e ruelas. Muitas vezes, é preciso passar pela calçada. A rua não foi feita para receber carros, não há espaço para a viatura.

– Todo o planejamento é feito para garantir a paz para a população. Estamos na rua o tempo todo, fazemos patrulhamento dia e noite para manter a paz. Essa é nossa missão aqui – diz o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, comandante da Força de Ocupação.

Os dois complexos estão pacificados, mas isso não significa que o tráfico tenha sido extinto do morro. Em uma das patrulhas, em um beco, os militares encontram embalagens plásticas com etiquetas coladas. Nelas, a inscrição com o nome da facção criminosa, o preço e o tipo de droga vendida.

– Sabemos que o tráfico permanece, mas não é aquela coisa ostensiva como antes. Você não vê mais o traficante na rua, vendendo. O comércio de drogas é para uso da própria comunidade. Gente de fora dificilmente vem buscar drogas aqui no morro – afirma o major Tiago Kanomata, que e costuma registrar as incursões nos morros com uma câmera acoplada ao capacete.

ENTREVISTA - “Hoje, a comunidade tem livre trânsito”. Adriano Pereira Júnior, general de Exército - DIÁRIO DE SANTA MARIA, ZERO HORA.

O homem que comandou a ocupação dos complexos da Penha e do Alemão – general de Exército, de quatro estrelas, Adriano Pereira Júnior, comandante Militar do Leste – tem orgulho de ser um dos responsáveis pela paz nos morros cariocas. Gaúcho de Rio Grande, ele admite que esse é o maior desafio em 40 anos de Exército:

Diário de Santa Maria – Como foi a ocupação dos dois complexos?

General Adriano Pereira Júnior – A ordem que chegou era de fazer o cerco. Não entraríamos no complexo, simplesmente ocupamos esse perímetro para dar segurança aos policiais que iriam adentrar na área. Foi um dia histórico para a segurança no Rio. A população aplaudiu porque saiu do domínio dos traficantes. É uma operação altamente sensível, porque há homens armados dos dois lados, juntos com a população. Tem de ser uma operação muito bem planejada.

Diário – Como o trabalho pode ser avaliado?

General Adriano – Todas as crianças, no ano passado, foram às aulas nos horários normais e voltaram para casa no final da aula. As escolas eram fechadas, as áreas eram interrompidas pelo tiroteio. Hoje, a comunidade tem livre trânsito. Você vê as crianças na rua brincando, o comércio local está mais forte, grandes cadeias de lojas já estão se deslocando e se instalando de novo naquela área.

Diário – Qual é o desafio a partir de agora?

General Adriano – A nossa saída de lá vai ser gradativa, vamos ser substituídos pela Polícia Militar e vão ser instaladas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Está sendo feito um planejamento para que a tranquilidade da população seja mantida.

segunda-feira, 12 de março de 2012

PACIFICAÇÃO - TORTURA DE MORADOR POR MILITARES DO EB

Exército acompanha investigação sobre denúncia de tortura no Rio. Agência Brasil, CORREIO BRAZILIENSE, 12/03/2012


Rio de Janeiro – A Força de Pacificação do Exército que ocupa os complexos de favelas do Alemão e da Penha informou nesta segunda-feira (12/3) que está acompanhando a investigação da Polícia Civil sobre a tortura de um morador da Vila Cruzeiro, na Penha. O jovem acusa os militares de o terem detido e torturado no sábado (10/3).

Segundo o assessor de comunicação da Força de Pacificação, coronel Fernando Fantazzini, a investigação está inicialmente a cargo da Polícia Civil. Mas, se for confirmada a denúncia e a participação de militares no crime, o Exército poderá investigá-los e puni-los por desvio de conduta.

O oficial explicou que o Exército já havia aberto um inquérito policial militar (IPM) no sábado de manhã, porque o pai do jovem procurou a Força de Pacificação, depois de constatar que seu filho havia desaparecido. O mesmo IPM poderá ser usado para investigar o envolvimento de militares na tortura.

“Se o nosso inquérito policial militar desembocar (na constatação de um) desvio de conduta, todos os envolvidos serão punidos com o rigor da lei e responderão no inquérito civil também”, disse o coronel.

Depois da suposta tortura do jovem, foram registrados, no próprio sábado, protestos de moradores e ataques de criminosos contra militares na Vila Cruzeiro.

PACIFICAÇÃO - EXÉRCITO REGISTRA AUMENTO DE ATAQUES

Exército registra aumento no número de ataques contra Força de Pacificação. Agência Brasil. CORREIO BRAZILIENSE, 12/03/2012 10:03

Rio de Janeiro – O Exército registrou um aumento no número de ataques de criminosos contra a Força de Pacificação que ocupa os complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, nas últimas semanas. Segundo o assessor de comunicação da força, coronel Fernando Fantazzini, somente em fevereiro deste ano, os militares foram alvos de 89 ataques nos dois complexos de favelas, muitos deles com armas de fogo.

“Essa situação está se recrudescendo desde o final do mês de fevereiro e agora no início de março. Mais ataques hostis aconteceram contra a tropa nesse período, porque a nossa tropa começou a entrar mais em becos e a fazer um patrulhamento mais intensivo. Com esse patrulhamento chegando às vielas e aos becos, as reminiscências do crime organizado estão sendo incomodadas e estão tentando, de toda maneira, reagir à nossa ação”, disse Fantazzini.

No último sábado (10/3), os militares foram atacados com paus e pedras por manifestantes no Complexo da Penha, ao mesmo tempo em que o príncipe britânico Harry visitava o conjunto de favelas vizinho do Alemão. No mesmo dia, também foram registrados tiroteios entre criminosos e militares.

O Exército ocupou os dois complexos de favelas em novembro de 2010, com o objetivo de acabar com o controle do território por quadrilhas armadas e preparar terreno para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Inicialmente, o Exército ficaria até o segundo semestre do ano passado, mas a permanência foi prorrogada porque a Polícia Militar não conseguiu formar policiais suficientes para a UPP.

sexta-feira, 9 de março de 2012

AS FORÇAS ARMADAS E A POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL

Cel Av RR Manuel Cambeses Júnior - PORTAL MILITAR.COM.BR.


O Brasil é um país guiado por um sentimento de paz. Não abriga nenhuma ambição territorial, não possui litígios em suas fronteiras e, tampouco, inimigos declarados. Toda ação por ele empreendida nas esferas diplomática e militar, busca, sistematicamente, a manutenção da paz. Porém, tem interesses a defender, responsabilidades a assumir, e um papel a desempenhar, no tocante à Segurança e Defesa, em níveis hemisférico e mundial, em face de sua estatura político-estratégica no concerto das nações.

O primeiro objetivo de nossa Política de Defesa, portanto, deve ser a de assegurar a defesa dos interesses vitais da Nação contra qualquer ameaça forânea. Não se pode precisar, a priori, a fronteira entre os interesses vitais e os interesses estratégicos. Os dois devem ser defendidos com ênfase e determinação. Essencialmente, os interesses estratégicos residem na manutenção da paz no continente sul-americano e nas regiões que o conformam e o rodeiam, bem como os espaços essenciais para a atividade econômica e para o livre comércio (Setentrião Oriental, Costão Andino, Cone Sul e Atlântico Sul).

Fora deste âmbito, o Brasil tem interesses que correspondem às responsabilidades assumidas nos Fóruns Internacionais e Organismos Multilaterais e ao seu status na ordem mundial. Este é conformado por uma combinação de fatores históricos, políticos, estratégicos, militares, econômicos, científicos, tecnológicos e culturais.

Sem uma Defesa adequada, a Segurança Nacional e a perenidade desses interesses estarão seriamente comprometidos e, conseqüentemente, não poderão ser assegurados. Daí, ressalta-se a imperiosa necessidade de contarmos com Forças Armadas preparadas, suficientemente poderosas e aptas ao emprego imediato, capazes de desencorajar qualquer intenção de agressão militar ao País, pela capacidade de revide que representam. Esta estratégia é enfatizada para evitar a guerra e exige, como corolário, o fortalecimento da Expressão Militar do Poder Nacional, além de impor um excelente grau de aprestamento e prontificação das Forças Armadas, desde o tempo de paz, através da realização de treinamentos, exercícios operacionais dentro de cada Força Singular, não sendo excluída a necessidade de Planejamento e do treinamento de Operações Conjuntas e Combinadas no âmbito das FFAA.

O estudo da História, particularmente da História Militar de uma nação, conduz a conclusões e realça aspectos capazes de influir na Expressão Militar de seu Poder Nacional.

O estudo das campanhas militares, com seus erros e acertos, o respeito às tradições, o culto aos heróis, etc, trazem reflexos à formulação da doutrina, ao moral e à estrutura militares.

As tradições históricas e militares constituem, ainda, fatores de influência sobre a Expressão Militar. Essas tradições, que cumpre cultuar e manter, não devem, por outro lado, apresentar obstáculos intransponíveis à evolução, ao desenvolvimento e à tecnologia militares.

No equilíbrio entre essas idéias, às vezes opostas, está o acerto que revigora a Expressão Militar.

Assumem, também, papel de destaque, os aspectos qualitativos dos recursos humanos; o apoio em maior ou menor grau da opinião pública nacional e mesmo internacional; a coesão interna e a vontade nacional.

E, nesse contexto, ressalta a fundamental importância do Povo – expressão máxima das forças vivas da Nação –, como verdadeiro esteio das Forças Armadas, quando a elas se une, nelas se apóia e com elas se confunde. A população traduz sua indispensável solidariedade à Expressão Militar, através da opinião pública, que deve constituir, sem dúvida, preocupação constante quando se pretende manter em alto nível aquela Expressão do Poder Nacional.

Nesse sentido, é imperioso o esforço para conservar integrados o homem militar e o homem civil, sem discriminações de qualquer natureza, sem privilégios, embora respeitadas suas diversas, mas naturais destinações.

O papel que caberá às Forças Armadas brasileiras, nas próximas décadas, é multifacetado e deve estar calcado em amplo debate, cujo resultado deverá ser tão satisfatório quanto maior for o desenvolvimento da sociedade. O esboço de qualquer arranjo de Defesa, em um Estado democrático, para que possa contar com recursos, deve estar respaldado por uma base de legitimidade. Entendemos que, para a consecução desses objetivos, devem ser consultadas personalidades representativas de diferentes espectros de opinião: ministros de estado, acadêmicos, analistas políticos, economistas, diplomatas, militares, jornalistas, todos com reconhecida competência na área de Defesa e alguns críticos do atual sistema de Defesa Nacional.

Evidentemente, que não se trata de deixar em mãos destes pensadores a formulação de políticas e estratégias militares. Trata-se, tão-somente, de ouvi-los e de reunir novos conceitos e idéias, que permitam oxigenar antigos preceitos e identificar referenciais para a defesa do País, os quais estejam mais em sintonia com os desafios dos novos tempos e consentâneos com a realidade nacional. Tais contribuições, depois de avaliadas, por setores competentes do Ministério da Defesa, poderão ou não ser incorporadas no planejamento estratégico.

Indubitavelmente, para a consecução dessa tarefa, mister se faz uma conjunção de esforços. Nesse sentido, somam-se, num processo sinérgico, o imprescindível apoio do Presidente da República, a compreensão do Congresso Nacional, a efetiva colaboração do Ministério da Defesa e de outras áreas do Governo, a confiança e o respaldo dos Comandantes de Forças e a ativa participação de todas as forças vivas da Nação.

Temos plena consciência de que não se pode justificar a hipertrofia das Forças Armadas em prejuízo do processo de desenvolvimento da Nação, mas não se pode admitir, por ilógico e temerário, que a Expressão Militar do Poder Nacional seja colocada em plano inferior – vivenciando um processo gradual de sucateamento e de desmantelamento, devido à crônica insuficiência de recursos financeiros –, na falsa concepção de que a prioridade absoluta deve ser dada ao Desenvolvimento.

Não existem nações desarmadas, porque nenhuma delas seria capaz de desfazer-se de sua Expressão Militar para merecer, por esse ato ingênuo, o respeito e a simpatia de todos os países. Não há fórmula miraculosa capaz de manter a paz sem ameaças de conflitos internos ou de guerra entre os povos.

Torna-se imperativo conferir maior prestígio às Forças Armadas e racionalizar, modernizar e fortalecer o aparato defensivo brasileiro.

Lembremo-nos das sábias palavras do insigne Barão do Rio Branco – o Chanceler da Paz –, que, de modo contumaz, enfatizava a imperiosa necessidade de possuirmos um bom sistema de armas para respaldar as nossas proposições no concerto das nações.

Autor: Cel Av RR Manuel Cambeses Júnior. Coronel-Aviador da Reserva da Força Aérea. Membro do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra e pesquisador do INCAER.

EXÉRCITO CONTRA O CRIME

EDITORIAL - OPINIÃO NACIONAL, 22/10/94

O envolvimento das Forças Armadas no combate à criminalidade é uma daquelas questões espinhosas que encerram inúmeras considerações, tanto favoráveis como também contrárias à participação dos militares na luta contra os marginais. Um fato, porém, é inegável: todas as forças policiais –PMs, polícias civis e a PF– revelam-se hoje incapazes de enfrentar com sucesso o desafio imposto pelos traficantes e contrabandistas organizados, deixando assim a população à mercê de um grau de violência sem precedentes na história do país.

Essa situação não pode, como é óbvio, perdurar. E a incapacidade das polícias de controlar a ação dos traficantes deve-se em larga medida ao fato de que muitas autoridades policiais bandearam-se para o outro lado, tamanho é o poder corruptor dos marginais.

Uma eventual participação das Forças Armadas no combate ao crime organizado traria certamente o risco de os castrenses se deixarem contaminar pelo tráfico, exatamente da mesma forma que os policiais, mas com consequências ainda piores. Uma forma de evitar ou ao menos minimizar esse risco é impedir que as tropas se envolvam no dia-a-dia da ação anticrime, o que as colocaria na mesma relação promíscua e daninha que acabou pervertendo os policiais.

Ainda assim, as Forças Armadas poderiam ser de inestimável auxílio, por exemplo, no policiamento de fronteiras (boa parte das drogas e das armas que geram tanta violência não são produzidas aqui), em eventuais operações conjuntas de maior envergadura e, sobretudo, no apoio logístico às autoridades policiais ainda puras.

Uma participação das Forças Armadas nesses moldes parece, portanto, apropriada e bem-vinda. Isso, porém, não exime a sociedade civil de cobrar com vigor uma profunda depuração dos quadros das polícias. É preciso que a Justiça puna com rigor e rapidamente todos aqueles que se revelarem maus policiais. É preciso que haja exemplos. A impunidade é o maior incentivo à corrupção e à violência.

sexta-feira, 2 de março de 2012

SER COMANDANTE

Valdesio Guilherme de Figueiredo, General de Exército Reformado e Ministro do STM aposentado


Realmente, as coisas não vão bem, mas fruto da eterna desunião que existe entre os componentes do EB. Começa com a separação estatutária entre oficiais e praças, hoje bastante acirrada, inclusive com a tentativa de organização de sindicatos. Tudo, falta de capacidade de comando e de medo da idéia errada de que deva existir ampla defesa e contraditório em tudo.

É interessante que se faça uma reflexão sobre o que é ser comandante na Infantaria de Sampaio. Existem comandantes de diversos níveis, a começar pelo “cabo”, que pode ser comandante de esquadra, ou de peça, após realização de curso; o terceiro sargento exerce um comando mais importante, o de comandante de Grupo de Combate, ou de seção, preparado na Escola de Sargento das Armas; o tenente comanda pelotão, habilitado pelo curso da Academia Militar das Agulhas Negras; o capitão comanda a subunidade, já com um efetivo de mais de uma centena de militares; o coronel comanda a unidade, após um curso de aperfeiçoamento realizado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e o general comanda as Grande Unidades, ou Grandes Comandos, após ter realizado curso na Escola de Comando e Estado Maior do Exército.

No caso dos oficiais, considere-se que a evolução processa-se ao longo de anos, não só pelo preparo adquirido em cursos, mas, também, pela observação dos diversos comandantes que passam pela nossa vida profissional, alguns dando bons exemplos e outros, nem tanto, mas sempre acatando a decisão do comandante – isto é básico, ou pelo menos foi!

Não se pode aceitar passivamente que um qualquer que caia de pára-quedas na estrutura de comando, seja aceito como preparado para integrá-la. A Constituição Federal e Lei Complementar deram ao Presidente da República o título de Comandante em Chefe das Forças Armadas. Isto poderia funcionar quando o mesmo dispunha, junto de si, os ministros militares a assessorá-lo; o Ministro da Defesa, que tem até vestido farda e criou insígnias que o definam como militar, não tem nenhum preparo de comando e o faz intuitivamente, contando, ou não, com a assessoria militar, ou “genuinamente” civil.
Tudo é cópia mal feita da estrutura de defesa dos Estados Unidos, onde a Secretaria de Defesa é um órgão essencialmente político, assim como os secretários das cinco forças armadas americanas são civis e tratam, apenas, do aspecto político das forças. A estrutura militar está ligada ao chefe do estado maior conjunto e os comandantes de teatros de operações ligam-se diretamente ao presidente da república.

A criação do ministério da defesa no Brasil deu-se por pressão americana. Quando fui chefe da Delegação do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, por várias vezes, recebi convite para eventos internacionais dirigido ao ministro da defesa do Brasil. Em todas elas restituí o convite informando que se desejassem a presença do estamento militar brasileiro, deveriam enviar quatro convites: ao Chefe do EMFA, ao Cmt da Marinha, ao Cmt do Exército e ao Cmt da Aeronáutica. Isto se passou no governo do Presidente Itamar Franco. A partir daí, prevaleceu a vontade yankee.

É de estranhar o episódio recente atribuído aos Clubes Militares e a estrutura política do poder executivo brasileiro. O Clube Militar, que nem é destinado aos militares do Exército, mas sim aos das três forças e a civis, é um entidade civil, pessoa jurídica que não é vinculada a nenhuma das três Forças Armadas e não recebe nenhum valor do orçamento da União para sustentar-se. Logo, por que deveria receber ordem do presidente da república, do ministro da defesa, ou mesmo, do Comandante do Exército. Admito que pudesse ter havido um acordo entre amigos, pois o Presidente do Clube Militar e o Comandante do Exército são generais da mesma safra, quase companheiros de turma.

Também sou amigo e admirador do Comandante do Exército, mas nem por isso eu deixaria de discutir com ele a conveniência da tomada da atitude de recuar. Não haveria cabimento para tal. Se a nota dos clubes militares desagradou ao presidente da república e a seu ministro da defesa, também são inúmeras as atitudes, o descaso, a legislação revanchista por eles levada adiante, sem que os clubes militares impusessem um recuo.

Costumo dizer que quem muito abaixa as calças mostra a cueca, ou a calcinha. Não posso admitir que a alta estrutura de comando do Exército deixe de lado a disciplina, ou a hierarquia, mas permitir que qualquer civil de passado não muito recomendável, venha humilhar o Exército, empregando-o como polícia militar, fazendo com que a Força Armada agora passe a ser força auxiliar das polícias militares estaduais, ou que inverta a hierarquia permitindo que os soldos de determinados militares estaduais sejam infinitamente superiores aos dos militares do Exército.

Não quero revolução, mas exijo respeito, ainda que tenha de impô-lo pela força. Não me acusem de estar falando por estar imune às sanções disciplinares, de acordo com lei de 1986. Posso falar de política, posso combater ideologias e posso e devo defender a minha Instituição e meus antigos subordinados. Não me acusem de covardia, porque nunca me apeguei a cargos e sempre coloquei minha cabeça a prêmio na Extinta Diretoria Patrimonial de Brasília, no comando da 23ª Brigada de Infantaria de Selva, no comando da Guarnição da Vila Militar, no Departamento Geral do Pessoal e no Comando Militar da Amazônia. No Superior Tribunal Militar, do qual fui ministro, sempre julguei à luz da Lei do Serviço Militar e de seu regulamento, visando guardar a Instituição dos maus militares. Se falhei algumas vezes, faz parte da minha condição de ser humano.

Diz-se que vingança é um prato que se come frio. Se há espírito de vingança de um lado, por que não partir também para a vingança em igual ou maior intensidade. Quem tem o telhado mais vulnerável?

Insisto que devamos nos unir, se possível, oficiais e praças, da ativa e da reserva, mesmo da reserva de segunda classe, não para derrubar nenhum governo que o povo quis para si, mas para prestigiar a estrutura de comando militar e fazer sentir que atacado o comandante, atacados estaremos todos.

Não permitamos que os militares sejam tratados como cidadãos de segunda classe, que só são valorizados quando há que se construir estradas onde não seja compensador para as empreiteiras, ou para levar desaforo de bandidos ocupantes dos morros cariocas, ou ainda, para ocupar o subalterno lugar de grevistas impunes.


NOTA: Matéria indicada por Rogério Rogério Teixeira Brodbeck, 2 de Março de 2012 15:11

quinta-feira, 1 de março de 2012

AS FORÇAS ARMADAS DEVEM COMBATER A CRIMINALIDADE

ENTREVISTA: Alessandro Visacro

Pesquisador de guerras irregulares, major do Exército diz que narcotráfico é questão federal e não pode ser combatido apenas pelas polícias. Francisco Alves Filho, REVISTA ISTO É, N° Edição: 2065, 01.Mar.12 - 08:52

Mineiro radicado no Rio de Janeiro, durante cinco anos, o major do Exército Alessandro Visacro, 39 anos, se dedicou a estudar o tipo de combate praticado por grupos clandestinos em todo o mundo. A conclusão de sua pesquisa: os narcotraficantes que atuam em cidades como Rio ou São Paulo têm formas de ação similares às das organizações terroristas internacionais. Logo, se o terror é combatido pelas Forças Armadas, o crime organizado também deve receber o mesmo tratamento.

Nesta entrevista, o militar defende publicamente esta posição. "As Forças Armadas têm um repertório de capacidades muito grande, que pode ser utilizado contra grupos armados, sejam eles do interior da selva amazônica, da área fronteiriça ou de uma área urbana ocupada por alguma facção criminosa", diz. Segundo ele, a solução para o problema da Segurança Pública envolve medidas que também dependem do governo federal.
"É imprescindível reduzir a oferta de cocaína dos três principais produtores mundiais: Colômbia, Peru e Bolívia.

Essa é uma tarefa do Ministério das Relações Exteriores." Suas ideias estão no livro "Guerra Irregular - Terrorismo, Guerrilha e Movimentos de Resistência ao Longo da História" (Editora Contexto). Este tipo de guerra é marcado por recursos como sequestros, sabotagens e ações terroristas.

ISTOÉ - A polícia cumpre hoje um papel que seria das Forças Armadas?

ALESSANDRO VISACRO - Sim. Se olharmos o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), ele é mais uma tropa de combate que uma força policial. No mundo não há algo similar. A Swat americana atua no resgate de um refém, em um momento de crise, algo pontual. O Bope é uma força de incursão e tem técnicas de uma tropa de infantaria voltada para o combate urbano. A polícia hoje anda de forma ostensiva com um fuzil 7.62. Isso não é arma policial. Mas não pode ser de outra forma porque esse homem poderia ser alvo de disparos. O chamado caveirão (blindado da Polícia Militar) é um tipo de veículo que antes era de uso exclusivo das Forças Armadas e hoje é usado no combate rotineiro ao tráfico em morros cariocas.

ISTOÉ - Quais os resultados disso?

VISACRO - Ao olharmos para exemplos históricos em outras partes do mundo, vemos que, quando a polícia é obrigada a fazer o trabalho além de suas atribuições, costuma dar ênfase apenas às ações repressivas, em detrimento de outros pilares importantes como legitimidade do poder central e apoio da população. Essas operações visam apenas a esses fins e são contraproducentes. Mas atribuir à polícia esses equívocos seria uma injustiça. Isso acontece porque queremos reduzir um problema amplo como o da violência urbana à visão simplista da Segurança Pública.

ISTOÉ - As Forças Armadas, então, devem assumir o papel de combate à criminalidade?

VISACRO - É necessário, primeiro, que o Estado tenha uma política efetiva que englobe todos os campos do poder nacional. Um esforço da Nação em que haveria responsabilidade para todos, inclusive para as Forças Armadas. Mas com o cuidado de não militarizar o tema. Não podemos achar que ações repressivas vão trazer resultados a curto prazo. O emprego das tropas militares em qualquer forma de conflito obedece a preceitos muito claros. O uso fora desses critérios significa vulgarizar esse recurso, algo apenas empírico como instrumento de política paliativa. Isso não pode. Existe uma tendência natural da opinião pública de clamar pelo emprego das tropas. As Forças Armadas devem combater a criminalidade, mas uma solução definitiva não passa só por essa questão.

ISTOÉ - Como as tropas podem ajudar?

VISACRO - De várias formas. As Forças Armadas têm um repertório de capacidades muito grande, que pode ser utilizado contra grupos armados, sejam eles do interior da selva amazônica, da área fronteiriça ou de uma área urbana ocupada por alguma facção criminosa.

ISTOÉ - Os críticos dizem que as Forças Armadas são treinadas para aniquilar o inimigo e não para atuar em locais povoados por inocentes.

VISACRO - A ideia de que as tropas são preparadas apenas para usar tanques de guerra e bombardeio é um conceito da época da Revolução Industrial. Os militares de Operações Especiais são treinados tanto para o chamado tiro seletivo ou tiro de alta precisão quanto para os assuntos civis, que demandam atividades voltadas para a melhoria das condições de vida da população carente, como construir praças e pontes.

ISTOÉ - Quais são os parâmetros para o uso dos militares contra o crime?

VISACRO - O conceito básico é que as Forças Armadas devem ser empregadas como instrumento efetivo da política de Estado. Algo claro, exequível, com objetivos bem definidos.

ISTOÉ - Quais as consequências da ação distorcida da polícia?

VISACRO - Os índices da violência urbana no Brasil são impressionantes. Especialmente os números de homicídios relacionados à repressão policial, os chamados autos de resistência. A polícia de São Paulo tem conseguido reduzir esse índice, mas a do Rio não. Hoje os policiais do Rio matam seis vezes mais que seus colegas paulistas. Estou longe de condenar o policial que está na posição de matar ou morrer. Mas um dos motivos é a corporação tentar cumprir uma função que não é dela. Somente numa incursão na Favela da Coreia, na Vila Cruzeiro, houve 20 mortos e sete feridos. Ação policial com esse número de vítimas é rara no mundo.

ISTOÉ - O sr. acredita que a sociedade se acostumou a isso?

VISACRO - A repressão que o Estado promove hoje é paradoxalmente mais violenta que a dos governos militares contra os movimentos de esquerda, quando houve abusos condenáveis. Se formos olhar em termos numéricos, pelos relatórios da Anistia Internacional, os números são mais expressivos. A indignação com a tortura nas décadas de 70 e 80 deveria se repetir hoje. Estou falando da nossa tolerância e do nosso descaso com a vida humana. Se nós repudiamos e condenamos a repressão que aconteceu antes, por que aceitamos tranquilamente formas de repressão que são maiores em pleno Estado democrático?

ISTOÉ - Criminosos, como os traficantes, praticam guerra irregular?

VISACRO - As facções armadas ligadas ao crime organizado do Rio se inserem perfeitamente no contexto da guerra irregular, mas lhes falta organização. Mais importante que a definição acadêmica é a constatação de que ultrapassamos o limite do tolerável. É preciso entender que temos novas ameaças à sociedade, fragmentadas e não estatais.

ISTOÉ - A situação da criminalidade no Rio é a mais crítica do País?

VISACRO - Não. Mas tem características específicas que lhe dão maior visibilidade. A situação de São Paulo é tão crítica quanto a do Rio. Os episódios que o PCC protagonizou são emblemáticos. Em 2001, a um só comando 30 mil presos se amotinaram em 29 casas de detenção ao mesmo tempo. Isso demonstra organização e capilaridade. Dados de 2007 apontavam que os filiados ao PCC giravam em torno de 15 mil. Se isso estiver correto, coloca o PCC num patamar similar ao das Farc.

ISTOÉ - Quando esse tipo de combate tornou-se mais comum?

VISACRO - A partir da Segunda Guerra Mundial. Hoje, os exércitos regulares estão desenvolvendo capacidades para atuar com forças irregulares. Criou-se o conceito de Forças Especiais, restritas e treinadas para atender às exigências do combate irregular.

ISTOÉ - Como as leis podem controlar esse tipo de combate?

VISACRO - Existe um problema de legitimidade muito delicado. Quando um exército começa a entrar nesse campo nebuloso, pode acarretar problemas não só de ordem legal, mas também ética e moral. Corre o risco de comprometer a legitimidade do poder central para quem ele realiza essa operação. Existe um limite de atuação que é aceitável e isso vai depender das leis de cada país.

ISTOÉ - É possível criar um conjunto de leis específico para esse tipo de ação?

VISACRO - Vamos ficar sempre na corda bamba. Até porque, as organizações clandestinas de luta armada vão sempre procurar o campo da indefinição jurídica, fora do espectro legal.

ISTOÉ - Por que a violência transcendeu o âmbito da Segurança Pública?

VISACRO - Quando reduzimos o problema ao mero escopo da Segurança Pública, estamos postergando sua solução. Esse tema é da esfera estadual. Mas veja: é imprescindível reduzir a oferta de cocaína dos três principais produtores mundiais, Colômbia, Peru e Bolívia. Essa não é tarefa dos Estados, e sim do Ministério das Relações Exteriores. Estabelecer acordos binacionais para combater o tráfico de armas, por exemplo. A questão envolve assuntos acima da competência dos órgãos estaduais, especialmente dos da Segurança Pública. Estamos exigindo demais da nossa polícia, distorcendo suas atribuições constitucionais.

FORÇAS ARMADAS PODEM ATUAR NA DEFESA DA LEI

VLADIMIR PASSOS FREITAS, DESEMBARGADOR FEDERAL APOSENTADO. Revista Consultor Jurídico, 12 de dezembro de 2010

O sucesso da intervenção das Forças Armadas nas operações de reconquista dos morros do Rio de Janeiro, dominados pelo crime organizado, trouxeram de volta a discussão sobre o seu papel na sociedade brasileira.

A primeira constatação é a de que a população aprovou, quase por unanimidade, a ação do Exército e da Marinha. Percebe-se certo cansaço com as teses acadêmicas, a respeito de como tratar o problema. As pessoas querem soluções e a ação dos órgãos envolvidos mostrou resultados.

Passada a primeira fase do processo, cessadas as exibições do combate urbano na TV, volta-se às discussões sobre a oportunidade de as Forças Armadas envolverem-se com a segurança pública. E aí as opiniões são as mais divergentes possíveis.

Uma corrente minoritária ainda se anima a sustentar que as Forças Armadas devem continuar no seu antigo e tradicional papel: defender o Brasil do inimigo externo. A este respeito, vejamos um exemplo simples, mas significativo.

No Rio Grande do Sul, há contingentes do Exército em inúmeras cidades próximas da fronteira com Uruguai e Argentina. Nelas está sediado um elevado número de militares preparados para eventual conflito armado. Pois bem, poderia alguém supor que os nossos hermanos do Mercosul representam algum risco? Óbvio que não.

Quando se discute se é oportuna ou não a adesão das Forças Armadas na guarda da segurança pública interna, esta sim a cada dia mais periclitante, dois argumentos prevalecem nas discussões: a) os militares são despreparados para a atividade de segurança urbana; b) haveria risco de corrupção dos seus soldados e até mesmo dos Oficiais. Todavia, a ninguém está preocupando um terceiro fator: há base legal para tal tipo de atuação?

Ora, se estamos em um estado democrático de direito, devemos todos obediência à lei. E se é assim, necessário é que os profissionais do Direito sejam ouvidos e discutam os fundamentos jurídicos de eventual atuação das Forças Armadas nas atividades de segurança pública.

As Forças Armadas têm sua atuação prevista no art. 142 da Constituição e, na cabeça do referido dispositivo, está que elas “...destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

A primeira observação é se a defesa da segurança pública inclui-se na previsão constitucional de “defesa da lei e da ordem”. Em hermenêutica histórico-evolutiva, creio que sim. Penso ser possível interpretar a norma no sentido de que as Forças Armadas podem atuar na defesa da lei (no caso a penal) e da ordem (se notoriamente ameaçada). Evidentemente, desde que solicitada esta participação por um dos chefes dos Poderes.

Mas a Carta Magna é genérica e por isso a Lei Complementar 97/99, alterada pela LC 136/2010 disciplina a matéria. Ela assim dispõe sobre a participação dos nossos órgãos de defesa:

Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

I - patrulhamento;

II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

III - prisões em flagrante delito

O “caput” é claro ao dispor que a atuação das Forças Armadas é possível, porém “na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores”. Os três incisos referem-se a ações típicas de polícia, mas, como é evidente, se subordinam à cabeça do artigo. É dizer, tudo que eles prevêem é possível, mas apenas nos locais mencionados.

No entanto, o art. 17-A, que disciplina as atribuições exclusivas do Exército, vai além da previsão genérica do art. 16-A. E, além da possibilidade de cooperação , patrulhamento e revista, ainda permite que:

III. III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução

Ora, ao Exército a LC 97/99 dá poderes maiores que às outras Armas, ou seja, permite que coopere na repressão de delitos no território nacional, ou seja, além das hipóteses de fronteira, mar e águas interiores.

Conjugando-se os dois dispositivos chega-se à conclusão de que ao Exército permite-se a cooperação e as operações nos morros do Rio de Janeiro ajustam-se perfeitamente a esta previsão legal, face à repercussão nacional e internacional que o caso gerou.

No item I do art. 16-A menciona-se o patrulhamento. Nada de novo. No inciso II a revista de pessoas e de meios de transporte. Não há grandes dificuldades nesta interpretação, exceto saber se os integrantes do Exército estão preparados para proceder a revista em pessoas que detêm foro especial (v.g., Deputados) ou como reagirão em caso de resistência ou desacato. Mas tudo isto pode ser superado com cursos de capacitação.

O item III do art. 16-A é o que pode ensejar discussões. Terão os Oficiais preparo para lavrar auto de prisão em flagrante? Saberão como proceder em casos inusitados, como um acusado com problemas mentais ou bêbado? Terão condições de tipificar corretamente o delito? Saberão identificar o Juízo competente, Estadual ou Federal?

Admitindo-se que sim, a pergunta seguinte é se terão atribuições para prosseguir nos atos de inquérito policial. A resposta é não. Se a Lei Complementar fala em prisão em flagrante delito, é neste limite que a atuação da autoridade militar deve ficar. Afinal, “quando a norma atribui competência excepcional ou especialíssima, interpreta-se estritamente” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 9ª. ed., p. 265).

Portanto, e em resumo de todo o exposto, conclui-se que o Exército, com a qualidade de seus quadros, tem muito mais a dar ao país do que estar disponível para um eventual conflito externo. E dentro de suas possibilidades de ação encontra-se a de auxiliar na manutenção da segurança pública interna (p. ex., impedindo a entrada de armas nas fronteiras), sem prejuízo de outras atividades que lhe venham a ser-lhe atribuídas.

A Constituição Federal e a LC 97/99 autorizam que se chegue a esta conclusão. Preparar-se para que ela seja exercida dentro dos limites dos direitos e garantias constitucionais é o próximo passo a ser dado.

A FALÊNCIA DA SEGURANÇA PÚBLICA NOS ESTADOS E A ATUAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA GARANTIA DA LEI E DA ORDEM

Thiago Lacerda Nobre, Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa - JUS NAVEGANDI, Elaborado em 04/2007

Cogita-se o emprego das Forças Armadas no campo da segurança pública, inclusive com o aval de autoridades estaduais, mas será que isso é fática e juridicamente possível?
A recente escalada da violência, as barbáries que se sobrepõem nos noticiários, a fragilidade dos sistemas de segurança pública dos Estados, imersos em desmando e corrupção, são situações reais em nosso cotidiano.

Diante deste quadro calamitoso, a sociedade torna-se refém do crime que cada vez mais se organiza, ocupando o espaço que a omissão do Estado deixou sob vácuo.

Em face desta situação desesperadora, inúmeras soluções são cogitadas pelo extremo mais frágil da relação, o cidadão. Dentre as sugestões apontadas para o combate ao crime organizado está a atuação das Forças Armadas para garantir a tranqüilidade das pessoas nas cidades.

O fato é que as Forças Armadas gozam de inegável credibilidade, principalmente por seu baixíssimo índice de corrupção e sua seriedade quando atua, representando uma esperança para a população que não sabe mais a quem recorrer.

Cogita-se o emprego das Forças Armadas no campo da segurança pública, inclusive com o aval de autoridades estaduais [1], mas será que isso é fática e juridicamente possível?

Devemos, inicialmente, buscar um conceito adequado do termo segurança pública de modo a possibilitar o raciocínio que será doravante desenvolvido. Podemos conceituar segurança pública como a "garantia que o Estado proporciona à Nação, a fim de assegurar a ordem pública, ou seja, ausência de prejuízo aos direitos do cidadão, pelo eficiente funcionamento dos órgãos do Estado [2]".

A questão da segurança pública está constitucionalmente delineada, donde verificamos a previsão dos órgãos capacitados a atuar neste setor. Nessa linha prevê o artigo 144 da Constituição Federal, in verbis:

CAPÍTULO III

DA SEGURANÇA PÚBLICA

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

(...)

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Pela simples leitura do dispositivo constitucional percebemos que as Forças Armadas não integram o rol das instituições cuja incumbência é zelar pela segurança pública.

O fato é que a Carta Magna prevê atribuições até para os Municípios, por meio de suas Guardas Municipais e nada delega às Forças Armadas.

Esta omissão, entretanto, foi proposital. Com o advento da Carta de 1988, o constituinte originário retirou das Forças Armadas qualquer atribuição de atuação ou ingerência em segurança pública e delegou, precipuamente, aos Estados membros e, em alguns casos, aos órgãos federais (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, etc).

Um clássico exemplo dessa abstenção de ingerência das Forças Armadas nas questões de Segurança Pública foi o esvaziamento das atribuições da Inspetoria Geral de Polícia Militar - IGPM, prevista no Decreto-Lei 667, de 2 de julho de 1969, que determinava a fiscalização das Policias Militares dos Estados por departamento específico das Forças Armadas em todos os seus aspectos como armamento, salários, etc. Tal ingerência é inconcebível sob a ótica da atual Constituição.

Assim, não restam dúvidas de que as Forças Armadas não possuem respaldo jurídico para atuar na segurança pública, dada a ausência deliberada da concessão de atribuições a esta, em especial o denominado "poder de polícia".

Entende-se por poder de polícia a "atividade de administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina de produção e de mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de produção e de mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos [3]".

Assim, concluímos que não foi conferido às Forças Armadas o poder de polícia para atuar em questões relacionadas à segurança pública. Há entretanto uma única exceção que será abordada adiante.

Em face deste cenário vários questionamentos poderiam surgir, em especial sobre a suposta irregularidade nas atuações pretéritas das Forças Armadas, como já aconteceu no Rio de Janeiro, por ocasião da ECO 92, por exemplo. Também poderia ser questionado que as Forças Armadas, por não possuírem atribuições para atuar em segurança pública, em nada poderiam contribuir no combate à crescente violência.

A resposta para ambos os pretensos questionamentos é simples. As Forças Armadas, embora não possam atuar em questões de segurança pública o podem fazer para a Garantia da Lei e da Ordem - GLO, assim ocorrendo nos casos em que fora chamada a atuar em operações urbanas.

Nossa Constituição prevê, em linhas gerais, as atribuições conferidas às Forças Armadas, das quais destacamos, in verbis:

CAPÍTULO II

DAS FORÇAS ARMADAS
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. (grifamos)

Assim, está previsto na Carta Constitucional que competirá às Forças Armadas, dentre outras atribuições, atuar na garantia da lei e da ordem.

Traçadas as linhas gerais, a Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999, veio dispor "sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas". Acerca do tema dispôs o diploma, in verbis:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

(...)

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins.(Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 7o O emprego e o preparo das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem são considerados atividade militar para fins de aplicação do art. 9o, inciso II, alínea c, do Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) (grifamos)

Pois bem, o trecho acima colacionado, em especial os parágrafos 2º e 3º, já nos auxiliam na obtenção da conceituação da Garantia da Lei e da Ordem, porém não é suficiente.

O Decreto 3.897, de 24 de agosto de 2001, vai além e positiva algo muito próximo à conceituação do termo, o qual destacamos, in verbis:

Art. 3º Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico.

Parágrafo único. Consideram-se esgotados os meios previstos no art. 144 da Constituição, inclusive no que concerne às Polícias Militares, quando, em determinado momento, indisponíveis, inexistentes, ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (grifamos)

O glossário das Forças Armadas [4] remata a questão e conceitua o termo, in verbis:

"Atuação coordenada das Forças Armadas e dos Órgãos de Segurança Pública na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, possui caráter excepcional, episódico e temporário. Ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A decisão presidencial para emprego das Forças Armadas nessa situação poderá ocorrer diretamente por sua própria iniciativa ou por solicitação dos chefes dos outros poderes constitucionais, representados pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados".

Em síntese, diante de tudo o que já fora exposto, nos é permitido concluir que o termo "garantia da lei e da ordem" é utilizado para retratar situação diferente da simples "segurança pública", sendo, grosso modo, uma situação extremada, ante ao quadro de verdadeira incapacidade ou insuficiência operacional dos órgãos de segurança pública para restabelecer a ordem das coisas. Tal situação pode vir a gerar o comprometimento das atividades que devem ser desempenhadas pelos órgãos de segurança pública estaduais e, conseqüentemente, dos direitos constitucionais assegurados.

Em suma, tem-se situação em que é necessário que seja garantida a lei e a ordem quando houver verdadeiro colapso na segurança pública, estágio posterior ao mero combate à criminalidade.

Assim, em regra, apenas nestas situações extremadas é que as Forças Armadas serão chamadas a atuar. Uma exceção, entretanto, existe e deve ser mencionada.

Prevê a Lei Complementar 97/1999, com alteração inserida pela Lei Complementar 117, de 2 de setembro de 2004, in verbis:

Art. 17A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:

(...)

IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

a) patrulhamento;

b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

c) prisões em flagrante delito. (grifamos)

Este é caso de evidente exceção à regra de que as Forças Armadas não possuem poder de polícia para a atuação em questões de segurança pública, sendo, inclusive, caso muito restrito com a conferência de tais atribuições apenas ao Exército Brasileiro, não possuindo igual prerrogativa a Marinha e a Força Aérea.

Nesta situação, por sinal, é dado ao Exército Brasileiro atuar com funções precípuas de policiamento, como revista, patrulhamento, etc.

Assim, feitas as considerações até o momento, podemos passar ao ponto que consideramos mais delicado da questão em delimitar os requisitos necessários política e juridicamente para a atuação das Forças Armadas, ante uma situação fática, na garantia da lei e da ordem.

Dissemos que a questão é delicada pela falta de consenso da doutrina para que seja realizada esta atuação militar. Buscaremos a concisão nesta abordagem, de modo a não desvirtuar o objetivo precípuo desta obra, sem, contudo, furtarmo-nos da análise desta nuance e emissão de nossa opinião.

Há quem afirme a necessidade de decretação de intervenção federal no Estado para respaldar, conseqüentemente, a atuação das Forças Armadas neste caso. Outros sustentam a necessidade de decretação de estado de sítio ou de defesa como requisito essencial [5].

Quem defende as posições mencionadas o faz, em suma, argumentando que uma atuação das Forças Armadas, sem a caracterização formal de algumas destas situações, estaria por violar um dos princípios basilares de nosso estado democrático e republicano, o pacto federativo.

Na mesma linha, insistem também que estaríamos diante de um quadro de instabilidade institucional do Estado que necessita a atuação das Forças Armadas. Discordamos, veementemente, destes posicionamentos, senão vejamos:

Entendemos que em algumas situações pode não haver situação de instabilidade institucional, ocorrendo apenas mera insuficiência momentânea para os órgãos de segurança pública estaduais poderem desempenhar sua função constitucional, conforme determina o já transcrito parágrafo único do artigo 3º do Decreto 3.897, de 24 de agosto de 2001 [6].

Nesse mesmo sentido corrobora a determinação legal de que esta atuação militar seja apenas de caráter episódico.

Além do mais, a Constituição, ao prever a atuação das Forças Armadas nestas circunstâncias, o faz em capítulo próprio, distinto do que trata dos estados de anormalidade (de defesa e de sítio).

Ora, a simples análise dos dispositivos constitucionais sob ótica da hermenêutica jurídica, nos permite concluir que não se tratam de situações correlatas.

Entendemos que, caso o legislador originário desejasse que a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem estivesse vinculada à decretação prévia de estados de anormalidade, haveria de ter disposto na própria constituição.

Ora, se o legislador supremo não fez qualquer vinculação quanto ao desempenho de uma das atribuições constitucionais das Forças Armadas à esta situação anômala previamente decretada, também não poderia fazê-lo o legislador infraconstitucional, e por isso não o fez.

Pode ocorrer, é verdade, que, em casos de estados de anormalidade (defesa e sítio), as Forças Armadas sejam chamadas a atuar, mas isso não torna lícito concluir que apenas em tais casos seja possível tal atuação.

O fato é que, tanto a previsão de estados de anormalidade quanto a atuação na garantia da lei e da ordem estão dispostos sob o mesmo título V, "Da defesa do Estado e das instituições democráticas", estando em capítulos distintos.

Os estados de defesa e de sítio estão sob o mesmo capítulo I, enquanto a previsão da atuação militar veio prevista no capítulo II, relativo às Forças Armadas.

Ora, a única correlação entre os assuntos é que tanto a decretação dos estados de anormalidade quanto a atuação das Forças Armadas, e até mesmo dos órgãos de segurança pública, visam a "defesa do Estado e das instituições democráticas".

Desse modo, não existe qualquer previsão normativa ou regra interpretativa que venha vincular a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem aos casos previstos nos artigos 136 a 141 (estados de defesa e de sítio) da Carta Republicana, tratando-se de assuntos distintos.

Também é necessário verificar o preenchimento de alguns requisitos legais para que se implemente a atuação garantidora da lei e da ordem dos quais destacamos a já citada atuação de forma episódica, a necessidade de delimitação prévia da área geográfica em que irá atuar e o tempo que durará a missão [7].

Por fim, há necessidade de que o chefe do Poder Executivo estadual venha a, formalmente, reconhecer indisponíveis, inexistentes ou insuficientes os seus instrumentos de segurança pública relacionados no artigo 144 da Constituição Federal [8], para que o Presidente da República, como Chefe Supremo das Forças Armadas, em decisão exclusiva, decida pela determinação da atuação destas [9].

Com isso, preenchidos os requisitos legais (requisição do governador do Estado, determinação do Presidente da República, delimitação do território de atuação, etc) não haverá empecilhos para a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem.

Assim, não há que se confundir esta situação com decretação de estados de defesa, sítio ou intervenção federal no Estado da federação, sendo situações verdadeiramente distintas da aqui tratada.

Lembramos, na mesma esteira, que não há qualquer afronta ao princípio do pacto federativo pela atuação de forças militares federais no âmbito dos Estados, visto que haverá prévia deliberação entre os entes públicos (Estado e União), sem qualquer caráter impositivo de uma parte à outra. Vamos além ao afirmar que haverá, em verdade, a implementação prática dos auspícios ontológicos do pacto federativo perfeito pelo auxílio de um ente a outro, quando este esteja em momento de necessidade, de crise.

Feitas todas estas considerações jurídicas, ante a possibilidade de que as Forças Armadas venham a atuar nos Estados em algumas circunstâncias, cabe cogitar se seria faticamente possível tal atuação.

Há quem sustente a inadequação da atuação imediata das Forças Armadas em situações que envolvam atividades desempenhadas, em situações normais, por polícias militares, como o patrulhamento de vias públicas urbanas, por exemplo.

Argumentam que o treinamento recebido pelas Forças Armadas não seria compatível com o exigido para o desempenho de tais atribuições (seriam treinados para combates e não para atividades de polícia) além de que seu armamento não seria adequado para tal.

Em que pese a necessidade de um melhor direcionamento do treinamento de homens das Forças Armadas para atuar na garantia da lei e da ordem, o fato é que o raciocínio acima está na sua grande maioria incorreto.

Existem nos quadros das Forças Armadas grupamentos que realizam tarefas muito próximas ao que costuma ser desempenhado nas missões de garantia da lei e da ordem, sendo o caso dos Grupamentos de Fuzileiros Navais- FN [10], da Marinha do Brasil, da Polícia do Exército- PE [11], no âmbito do Exército Brasileiro e dos Batalhões de Infantaria Aeronáutica Especial- BINFAE [12], no âmbito da Força Aérea Brasileira.

Bastaria que fosse oferecido a estes militares, quando chamados a atuar nestas missões, treinamento um pouco mais direcionado, já considerando a capacitação afim prévia, de modo a torná-los perfeitamente aptos a atuar na garantia da lei e da ordem.

Por outro lado, existe atualmente no Brasil ao menos uma Brigada capacitada a desempenhar as atividades exigidas em missões de garantia da lei e da ordem de modo amplamente satisfatório vez que treinado e vocacionado para tal missão.

Trata-se da 11ª Brigada de Infantaria Leve- GLO [13], sediada no município de Campinas/SP, que possui cerca de 3.000 (três mil) homens prontos para atuar. Cabe nesse particular inferir que este número representa um quantitativo cerca de 30 % maior que toda a Polícia Militar do Estado do Acre [14].

Cabe também esclarecer que, por se tratar de Brigada de Infantaria Leve, pode esta ser deslocada para qualquer parte do território nacional, com auxílio das Forças Armadas (Força Aérea, por exemplo) ou para Municípios dentro do Estado de São Paulo ou Estados vizinhos, por meios próprios, com muita rapidez e eficiência.

Esta Brigada também possui, além do treinamento específico, o equipamento adequado para atuação nesta missão, inclusive armamentos não-letais e dispositivos para controle de distúrbios.

Assim, não restam dúvidas também quanto à existência tanto de força pronta para atuar, quanto de militares com treinamento afim ao necessário para o cumprimento de tal missão, podendo ser treinada especificamente para esta em curtíssimo espaço de tempo.

Com isso, entendemos ser possível e, até mesmo recomendável, que seja procedida a reestruturação das Forças Armadas [15] de modo a possibilitar a adequação completa de militares das três armas, incluindo treinamento e aquisição de material, às condições necessárias para atuação na garantia da lei e da ordem.

Acreditamos, entretanto, que um efeito colateral que poderia defluir desta situação seria o incentivo à omissão dos Estados da Federação no desempenho de seu múnus constitucional na segurança pública.

Sabendo que haveria sempre como recorrer às Forças Armadas, os Estados poderiam agir com maior desídia na valorização e efetivação de suas polícias militares, deixando de investir em segurança e canalizando tais recursos para a consecução de fins diversos.

Este pretenso panorama corrobora com a assertiva do caráter, realmente, subsidiário de atuação das Forças Armadas em tais condições, conforme determina a Lei Complementar 97/1999, devendo tal mecanismo ser utilizado com muita parcimônia.

Entretanto, embora possível o incentivo a este quadro desfavorável, devemos compreender que a atuação das Forças Armadas, em casos episódicos e específicos, é preceito constitucional, devendo ser utilizado como tal, fiscalizado do modo e pelos meios juridicamente adequados.

Assim, por ser medida jurídica e faticamente viável, somos favoráveis à utilização das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem, nos casos previstos, desde que observados os requisitos normativos, de modo a restaurar e garantir uma maior tranqüilidade ao soberano do poder político nacional: o povo.

NOTAS

[1] Disponível em: http://www.estadao.com.br/ultimas/cidades/noticias/2007/abr/09/230.htm, ultimo acesso em 12 de abril de 2007.
[2] Glossário das Forças Armadas, 4ª Edição, 2007, aprovado pela Portaria Normativa nº 196/EMD/MD, de 22 de fevereiro de 2007.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Art. 21, V, Art. 49, IV e Arts. 136 e ss. da Constituição Federal prevêem os institutos.
[6] Também referido no art. 15 da Lei Complementar 97/99.
[7] Requisitos dispostos no § 4º do art. 15 da Lei Complementar 97/99.
[8] Determinação do § 3º do art. 15 da Lei Complementar 97/99.
[9] Dispõe o artigo 2º do Decreto 3.897, de 24 de agosto de 2001, in verbis:

Art. 2º É de competência exclusiva do Presidente da República a decisão de emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem.

§ 1º A decisão presidencial poderá ocorrer por sua própria iniciativa, ou dos outros poderes constitucionais, representados pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo Presidente do Senado Federal ou pelo Presidente da Câmara dos Deputados.

§ 2º O Presidente da República, à vista de solicitação de Governador de Estado ou do Distrito Federal, poderá, por iniciativa própria, determinar o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem.

[10] Os Fuzileiros Navais costuma atuar em missões de paz das quais o Brasil participa, desempenhando funções assemelhadas,

Disponível em: https://www.mar.mil.br/comffe/emprego_fn.htm, último acesso em 28 de março de 2007.

[11] A Polícia do exército costuma atuar em missões de paz das quais o Brasil participa, desempenhando função assemelhada,

Disponível em: http://www.4bpe.eb.mil.br/missao_de_paz.html, último acesso em 28 de março de 2007.

[12] Disponível em: http://www.ordemdebatalha.com/fab/infantaria.htm, ultimo acesso em 01 de abril.

[13] Disponível em: http://www.11bda.eb.mil.br, ultimo acesso em 02 de abril.

[14] Disponível em: http://www.pm.ac.gov.br/historia.htm, ultimo acesso em 02 de abril.

[15] Disponível em: http://www.defesanet.com.br/eb/est_06.htm, ultimo acesso em 05 de abril.

USO DAS FORÇAS ARMADAS NÃO É SOLUÇÃO PARA OS PROBLEMAS DE SEGURANÇA PÚBLICA

Uso das Forças Armadas não é solução para os problemas de segurança pública, diz Jobim. Alana Gandra, Repórter da Agência Brasil, 17/05/2011 - 20h03


Rio de Janeiro - O ministro da Defesa, Nelson Jobim, manifestou hoje (17) temor de que, embalados pelo sucesso da política de segurança pública implantada no Rio de Janeiro, que ressalta a parceria entre os governos federal e fluminense, os estados pensem que ela é solução para todos os problemas de segurança e deixem de investir no setor. Para Jobim, o emprego sistemático das Forças Armadas na segurança pública não é e nem será solução para a violência e a impunidade.

“Um grande problema que nós enfrentamos no Rio de Janeiro é que o assunto está dando certo, ou seja, a parceria entre o governo federal e estadual está dando muito certo. E dá muito medo porque, depois, podem os estados começar a pensar que essa é a grande solução para os seus problemas”.

Segundo Jobim, a consequência econômica disso é que os estados deixarão de investir em segurança pública estadual “para tentar transferir isso para atividades subsidiárias das Forças Armadas”. A recomendação que Jobim tem dado aos comandos militares é “vamos abrir os olhos, porque isso pode ser um grande problema no futuro”.

O ministro da Defesa assegurou que o uso das Forças Armadas nesse tipo de operação tem de ser episódico e não pode ser banalizado. “Se os resultados são bons, podem alguns pensar que a gente deve fazer isso constantemente. E isso é problema”. Informou que não existe demanda de outros estados nesse sentido, no momento, mas ele prefere se antecipar.

No estado do Rio de Janeiro, a política de segurança pública prioriza a instalação de unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em comunidades até então dominadas pelo tráfico, com apoio das Forças Armadas. No Complexo do Alemão, por exemplo, o Exército assumiu o comando com 1.937 homens, limitando-se porém a três funções, conforme ressaltou o ministro: patrulhamento, revista e prisão em flagrante.

Nelson Jobim anunciou que no local será instalada em breve uma central judicial, para resolução de pequenos conflitos na região. A ideia é do Conselho Nacional de Justiça, esclareceu. A central será construída no local onde está assentado o batalhão do Exército. “É uma forma de você ter a presença do Judiciário para tentar resolver os conflitos interindividuais locais”, disse.

Edição: Aécio Amado

O PODER DE POLÍCIA NAS FORÇAS ARMADAS NO EXERCÍCIO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Andréa Costa Corrêa. JUS NAVEGANDI, Elaborado em 04/2009.

RESUMO

O trabalho científico enfrenta a questão da legitimidade do poder de polícia das Forças Armadas na atuação na área de Segurança Pública, analisando as disposições contidas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999. Serão destacados princípios e conceitos administrativo-constitucionais, para melhor compreender as atribuições e competências das instituições destinadas à defesa do Estado e à paz social. Com o aumento da violência nos grandes centros urbanos e a falência das forças policiais no combate ao crime organizado, algumas autoridades buscam auxílio da União, mediante o emprego das Forças Armadas, como tentativa de uma solução ao clamor da coletividade pela paz social. Contudo, o ordenamento jurídico em vigor determina a observância de certas formalidades, ao contemplar às Forças Nacionais o poder de polícia na atuação da segurança pública. Nesse seguimento, a Câmara analisa a PEC nº. 319/08, do deputado Antonio Carlos Pannunzio, do PSDB-SP, que propõe a legitimidade das Forças Armadas para exercer o poder de polícia em todo o território nacional, quando se tratar de segurança pública.

Palavras-chave: Poder de polícia. Forças Armadas. Segurança Pública.

Sumário: 1. Introdução - 2. Poder de polícia - 3. Da defesa do Estado e das instituições democráticas - 4. Segurança pública - 5. Emprego das Forças Armadas - 6. Considerações finais - 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

As autoridades públicas, diante dos vários conflitos urbanos decorrentes do crescimento desordenado da violência e da criminalidade, têm se mostrado preocupadas com a ineficiência dos órgãos de segurança de pública.

Com esse enfoque, cresce o debate jurídico em prol da atuação das Forças Armadas na área de segurança pública, em colaboração com os Estados Federados, no objetivo da garantia da lei e da ordem, tomando por fundamento a disciplina do artigo 142, da CRFB/88.

Pode-se relatar a missão das Forças Armadas no combate ao crime organizado no Estado do Rio de Janeiro, a pedido do governador Sérgio Cabral, como noticiado na Folha de São Paulo, em matéria publicada no dia 08 de janeiro de 2007, pela colunista Eliane Catanhêde [01],

GOVERNO FEDERAL decidiu empregar as Forças Armadas no combate ao crime organizado no Rio, que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de "terrorismo", mas não tem noção sobre as formas e os limites, como fica evidente na entrevista concedida pelo ministro Waldir Pires à Folha, na sexta-feira.

O governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) pediu ajuda, Lula e Pires responderam afirmativamente e anunciaram o envio de tropas da Força Nacional (formada por policiais de elite de diferentes Estados) e a inclusão das Forças Armadas no gabinete integrado de segurança do Estado. Postar soldados ostensivamente ou não nas ruas, porém, virou um tortuoso exercício semântico.

Em nota divulgada pelo Planalto após encontro com Lula, ministros e oficiais militares, na quinta, o governo disse que vai "intensificar a presença" das Forças Armadas no Rio. O que vem a ser isso na prática? Ninguém sabe ao certo.

Segundo Pires, 5.000 soldados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica já sediados no Rio estão de prontidão, instruídos para "proteger prédios públicos federais", e não apenas o entorno dos quartéis, caso haja ameaça. O que pode ser muito ou pode ser nada.

Nos comandos militares, há duas certezas: é preciso agir, mas só se o governo lhes der respaldo jurídico. O grande temor é que as três Forças sejam alvo de uma avalanche de inquéritos e processos do Ministério Público e da Justiça por "extrapolarem suas funções".

A Constituição não prevê o uso militar para garantia da lei e da ordem, a não ser em casos específicos, como um pedido do governador, declarando o Estado incapaz de controlar a situação e admitindo a intervenção. Mudanças legais estão em estudo.

Pires, 80, tem enfrentado uma sucessão de crises na área da Defesa: o maior acidente da história da aviação brasileira, operação-padrão dos controladores de vôo, atritos com a Aeronáutica e o caos dos aeroportos. As novas crises podem se deslocar da área da FAB para a do Exército, com os ataques "terroristas" no Sudeste.

Diante da premissa, cinge-se a questão na análise da legitimidade do poder de polícia conferido às Forças Armadas na garantia da lei e da paz social, partindo das disposições contidas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999.

Considerando alguns aspectos do poder de polícia estatal e da concepção de ordem pública, busca-se delinear o alcance da norma constitucional, ao disciplinar o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem. Para subsidiar as pesquisas foram realizadas leituras bibliográficas, buscando como fontes o aparato doutrinário, repertório jurisprudencial, legislação e documentos eletrônicos.

2. PODER DE POLÍCIA

O poder de polícia é a faculdade da administração pública de condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

O termo "polícia", nos ensinamentos de Átila Da Rold Roesler [02], surgiu na Idade Média, durante o período feudal, quando o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politiae, designando tudo o que era necessário à ordem da sociedade civil sob autoridade do Estado. Com essa acepção clássica, a atividade de polícia compreendia atos que limitavam o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança da cidade [03].

O Código Tributário Nacional traz, no seu artigo 78 e parágrafo único, o conceito legal do instituto:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. [grifo nosso]

Nesse contexto, a Administração Pública, mediante atuação dos órgãos competentes, exerce o poder de polícia sob duas vertentes: as funções de polícia administrativa, que incide sobre os bens, direitos ou atividades, e as funções de polícia de segurança pública, que visa resguardar as liberdades.

A Escola Superior de Guerra [04] traz disciplina semelhante, assim explicitando no seu manual:

Na administração pública, o Poder Executivo exerce o chamado Poder de Polícia, que engloba duas relevantes funções: a polícia administrativa e a polícia de Segurança Pública. A primeira consiste no poder estatal de disciplinar, tendo em vista o interesse público, diversas atividades da sociedade, tais como os setores da saúde pública, costumes, comunicações, atividades econômicas, situação de estrangeiros, exercício profissional, uso e fruição da propriedade. A segunda, correspondendo ao dever do Estado em oferecer condições de segurança à sociedade, seja no plano pessoal seja no coletivo, consiste no poder-dever estatal de prevenir e reprimir o crime e a criminalidade.

O poder de polícia tem por objetivo controlar toda atividade que possa afetar a coletividade ou por em risco a segurança nacional. Dessa forma, cada cidadão cede parcelas mínimas de seus direitos à comunidade e o Estado lhe retribui em segurança, ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefícios públicos propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral.

O poder de polícia tem atributos específicos e peculiares ao seu exercício, compreendido como tais a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

Pelo atributo da discricionariedade, cabe à Administração Pública o livre arbítrio, exercendo o poder de polícia com os meios adequados para atingir a proteção do interesse público.

Para efetivar as restrições individuais em favor do interesse público, o Estado se utiliza do poder discricionário [05], valendo-se da avaliação da oportunidade e conveniência para a prática do ato, encontrando como limite a observância dos preceitos legais [06] vigentes.

Na lição do prof. Luís Roberto Barroso [07]:

A oportunidade, a conveniência e o próprio mérito do ato administrativo discricionário não poderão ser apurados de modo afastado desses princípios, que funcionam como critérios objetivos da legalidade do ato administrativo e devem estar presentes na liberdade de escolha do administrador público. O poder discricionário encontra limites não apenas na finalidade legal da norma que o instituiu, mas também, e primordialmente, nas normas constitucionais.

A lei disponibiliza à autoridade várias formas de agir, escolhendo a que melhor se ajusta à realidade, conforme a necessidade do caso concreto. No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis, é que reside a discricionariedade do poder de polícia da Administração.

A auto-executoriedade é a faculdade inerente ao ente estatal de executar diretamente a sua decisão. Este atributo autoriza a prática do ato de polícia pela própria administração, sem a exigência de prévia autorização judicial.

A decisão administrativa se impõe ao particular ainda que contra a sua vontade, como reflexo da atividade administrativa que verifica o cumprimento dos comandos legais e regulamentares. Na hipótese de inobservância, adota as providências necessárias à imediata cessação da ilicitude, mediante a coerção estatal.

Entende-se por coercibilidade a imposição forçada das medidas adotadas pela Administração, que se utiliza de meios sancionadores, admitindo-se até o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado.

A coerção é o mecanismo de execução dos atos administrativos, podendo se revelar pela apreensão de mercadorias comercializadas sem autorização legal, a interdição de estabelecimento que não atenda às normas de segurança ou higiene, a ordem de interrupção de um espetáculo teatral obsceno, a demolição de uma construção que ameaça ruir, a dissolução de passeata sem prévio aviso à autoridade competente.

Na lição do professor Emerson Garcia [08], enquanto a auto-executoriedade acompanha os atos administrativos, sendo inerente à regra de competência e à presunção de veracidade, a coerção exige a verificação de três circunstâncias: que o comportamento omissivo ou comissivo do particular decorra de imposição legal, que haja inobservância dessa imposição legal e que estejam presentes, no exercício do poder de polícia, os requisitos de todo e qualquer ato administrativo.

3. DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

A Constituição Brasileira, no Título V, trata da defesa do Estado e das instituições democráticas, instituindo os órgãos dotados de forças coercitivas no desempenho da Segurança Nacional e na manutenção da ordem pública, em defesa da soberania, do estado democrático de direito e da paz social. É a legitimação do Estado, que estende sua soberania perante o surgimento de situações de emergências excepcionais.

Ordem pública [09] deve ser compreendida como:

[...] a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma consequência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada.

O estado de defesa [10] é medida de defesa do Estado, destinada a preservar a ordem pública e a paz social instaurada por instabilidades institucionais ou calamidades de grandes proporções, objetivando restaurar a normalidade constitucional. Nessa condição, o Presidente da República está investido de poderes especiais para suspender algumas das garantias individuais asseguradas na Carta Magna, com o intuito de restabelecer a ordem, ouvindo previamente o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

O estado de defesa é modalidade mais branda do que o estado de sítio e não exige para sua decretação a autorização do Congresso Nacional. O Presidente da República deve apenas submetê-lo ao Legislativo, no prazo de vinte e quatro horas, para verificação de sua legalidade, como determina o parágrafo 4º, do artigo 136, da CRFB/88. O decreto presidencial deverá determinar o prazo de sua duração; especificar as áreas abrangidas e indicar as medidas coercitivas.

O objetivo principal do estado de defesa é preservar ou restabelecer a ordem e a paz social, diante da grave e imediata instabilidade institucional ou calamidades de grandes proporções na natureza.

As garantias constitucionais controladas durante o estado de defesa estão relacionadas no parágrafo 1º, do artigo 136, da CRFB/88 e se concretizam pela restrição aos direitos de reunião, sigilo de correspondência e comunicação telegráfica e telefônica; ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, quando se tratar de calamidade pública; prisão por crime contra o Estado, determinada diretamente pelo executor do estado de defesa, que não poderá ser superior a 10 dias e deverá ser imediatamente comunicada ao juiz competente, vedando-se a incomunicabilidade do preso.

O estado de sítio [11] é medida de defesa do Estado que consiste na suspensão temporária das garantias constitucionais, em área delimitada ou em todo o território brasileiro, objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada por grave comoção nacional ou em situação de guerra declarada.

A Constituição determina que o Presidente da República solicite a autorização do Congresso Nacional para instauração do estado de sítio, depois de ouvido o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.

Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.

O estado de sítio é decretado objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada pela comoção grave de repercussão nacional; ineficácia da medida tomada durante o estado de defesa; declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.

As garantias constitucionais que se sujeitam ao estado de sítio estão elencadas no artigo 139, da CRFB/88, e caracterizam-se pela obrigação de permanência em localidade determinada; detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; restrições relativas à inviolabilidade de correspondência, ao sigilo de comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão; suspensão da liberdade de reunião; busca e apreensão em domicílio; intervenção nas empresas de serviços públicos; requisição de bens.

Os mecanismos de defesa da Constituição alargam a esfera de atuação legítima do Estado, valendo-se da suspensão das garantias de direitos fundamentais para implementar a ordem da lei e da paz pública. Todavia a restrição de direitos deve ser encarada em momentos extremos, como os pontuados pelo o constituinte, sob pena de um dos poderes do Estado parecer mais fortalecido que os demais, no limite estreito do autoritarismo.

No ensinamento do professor Luís Roberto Barroso [12]:

A Constituição de 1988 representa o ponto culminante dessa trajetória, catalizando o esforço de inúmeras gerações de brasileiros contra o autoritarismo, a exclusão social e o patrimonialismo, estigmas da formação nacional.

O estado de defesa e estado de sítio são sistemas de defesa das crises, que se justificam, como visto, pelos princípios da necessidade e da temporariedade na finalidade de manter ou restabelecer a normalidade constitucional.

4. SEGURANÇA PÚBLICA

Segurança pública é inerente ao poder de polícia da Administração, sendo conceituada Diogo de Figueiredo Moreira Neto [13] como a garantia da ordem pública interna:

[…] o estado de paz social que experimenta a população, decorrente do grau de garantia individual ou coletiva propiciado pelo poder público, que envolve, além das garantias de segurança, tranqüilidade e salubridade, as noções de ordem moral, estética, política e econômica independentemente de manifestações visíveis de desordem.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu Título V, denominado "Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas", dedicou o Capítulo III para tratar da segurança pública, identificando no seu artigo 144 o conjunto de órgãos responsáveis pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Os órgãos de segurança pública, a saber, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, são os designados pelo constituinte para o exercício da atividade de prevenção e controle da criminalidade e da violência, como explicitado nos parágrafos 1º ao 7º, do artigo 144, da CRFB/88:

Art. 144. [...]

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. [grifo nosso]

As atividades desempenhadas pelos órgãos elencados não se confundem com defesa nacional, que se destina à preservação da soberania, à defesa do mar territorial, e do espaço aéreo, cuja função é de reserva das Forças Armadas. No entanto, o constituinte de 1988 valorizou o principal aspecto da ordem pública, qual seja a segurança pública [14], e o Estado, no seu dever de agir, conferiu esta dignidade constitucional aos órgãos policiais.

5. FORÇAS ARMADAS

As Forças Armadas são instituições permanentes e regulares, pautadas na hierarquia e na disciplina, constituídas pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica, sob a autoridade do Presidente da República. Sua missão institucional é defender a Pátria e garantir o Estado Democrático de Direito, representado pelo povo e para o povo, mediante os poderes constituídos. No entanto, em situações anômalas, poderá ser chamado para garantia da lei e da ordem.

Esse preceito é de ordem constitucional e está estabelecido no caput, do artigo 142, da Lei Maior:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

O professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho [15] conceitua as Forças Armadas como um corpo especial da Administração Pública, oposto ao setor civil por sua militarização, pelo enquadramento hierárquico de seus membros em unidades armadas e preparadas para o combate.

As Forças Armadas garantem o desenvolvimento das atividades estatais contra as investidas de outros países, cabendo à Marinha de Guerra resguardar o espaço marítimo, à Aeronáutica zelar pela extensão aérea e ao Exército Brasileiro cuidar da dimensão terrestre.

As Forças Armadas têm como finalidade precípua a garantia da segurança Externa do Estado, e da garantia dos poderes constitucionais, aí compreendidos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, razão por que detêm a concentração do poderio bélico. Somente em situações extremas é que atuarão na segurança da lei e da ordem interna.

A Carta Maior estabelece no parágrafo 1º, do seu artigo 142, que ficará a cargo de lei complementar a disciplina das normas gerais adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

Nesse sentido, foi editada a Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004, que disciplina o emprego das tropas federais nas operações de garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, como medida excepcional.

A LC nº. 97/99 normatiza os requisitos e condições de atuação das Forças Armadas, cuja decisão de iniciar a execução das medidas consideradas necessárias à defesa da lei e da ordem é de competência e responsabilidade do Presidente da República. Estes preceitos se depreendem da leitura do artigo 15, da LC nº. 97/99:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação: [...]

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins. [grifo nosso]

O Chefe da República baixará as diretrizes mediante mensagem de ativação dos órgãos operacionais das Forças Armadas, traçando as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantida da lei e da ordem. A atuação das forças federais não será um evento autônomo, mas incidente ao contexto do caso concreto, em colaboração aos órgãos de segurança pública. A área de atuação será previamente estabelecida e por tempo limitado à necessidade do restabelecimento do controle da ordem pública.

Cabe ao Presidente da República, na qualidade da autoridade hierárquica suprema, a responsabilidade pela decisão de empregar as tropas no combate da violência civil, mesmo nas hipóteses de atenção a pedido expresso de quaisquer dos Poderes Constituídos, seja do presidente do Supremo Tribunal Federal ou dos presidentes das casas do Congresso Nacional.

O reconhecimento da inoperabilidade dos órgãos da polícia pública não se deduz, mesmo que evidente. Trata-se de ato formal de reconhecimento pelo respectivo ente público, que deverá declarar expressamente a indisponibilidade, a inexistência ou a insuficiência no desempenho regular de sua missão constitucional de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, requisito fundamental à atuação das Forças Armadas.

O controle operacional dos órgãos de segurança pública será transferido ao Presidente da República, que constituirá um centro de coordenação das operações necessárias à execução da garantia da lei e da ordem pública, composto por representantes dos demais órgãos públicos.

No artigo 16, da LC nº. 97/99, o legislador determina que a missão das Forças Armadas seja de natureza subsidiária, na qualidade de colaboradoras do desenvolvimento nacional e da defesa civil.

O professor José Afonso da Silva [16] (1999, p. 746) ensina que:

Só subsidiariamente e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a polícia federal e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal. Sua interferência na defesa da lei e da ordem depende, além do mais, de convocação dos legitimados representantes de qualquer dos poderes federais: Presidente da Mesa do Congresso Nacional, República da República ou Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ministro não é poder constitucional. Juiz de Direito não é poder constitucional. Juiz Federal não é poder constitucional. Deputado não é poder constitucional. Senador não é poder constitucional. São simples membros dos poderes e não os representam. Portanto, a atuação das Forças Armadas convocada por Juiz de direito ou por Juiz Federal, ou mesmo por algum Ministro do Superior tribunal de Justiça ou até mesmo do Ministro do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional e arbitrária, porque estas autoridades, por mais importantes que sejam, não representam qualquer dos poderes constitucionais federais. [grifo nosso]

Infere-se que o legislador, ao atribuir às Tropas a responsabilidade pela "garantia da lei e da ordem", retrata situações ímpares, evidenciadas pelo colapso no combate à criminalidade e diante do quadro de incapacidade ou de insuficiência operacional dos órgãos de segurança pública no restabelecimento da ordem.

A Marinha, a Aeronáutica e o Exército, cada qual no seu papel institucional, assumirão a função de colaboradores no restabelecimento da ordem, nos limites traçados pelo Presidente da República.

A Marinha do Brasil tem o dever subsidiário de controle e fiscalização do cumprimento das leis no mar e nas águas continentais, bem como oferecer apoios de logística, de inteligência, de comunicações e de instrução, conforme a necessidade do caso concreto.

A disciplina de atuação da Força Naval está prevista no artigo 17, da LC nº. 97/99:

Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:

[...]

IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas.

V– cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. [grifo nosso]

A Força Aérea Brasileira tem como missão subsidiária a cooperação nos delitos de grande repercussão nacional e internacional, oferecendo apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. Também, é responsável pelo controle do tráfego aéreo ilegal, no combate dos delitos de tráfico ilegal de drogas, armas, munições e passageiros, como determina o artigo 18, da LC nº. 97/99

Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares: (...)

VI – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução;

VII – atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito. [grifo nosso]

No controle do tráfego aéreo, se destaca a Lei do Abate, que permite a derrubada das aeronaves que eventualmente invadir o espaço aéreo brasileiro. É a Lei nº. 9.614, de 05 de março de 1998, que alterou o enunciado do artigo 303, da Lei nº. 7.565, de 19 de dezembro de 1986:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou de Polícia Federal, nos seguintes casos:

[...]

§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou a autoridade por ele delegada.

O dispositivo enuncia o poder de polícia da Força Aérea Brasileira, no controle do espaço aéreo que, autorizada pelo Presidente da República, poderá abater a aeronave em voo irregular e que resiste às ordens de pouso no local indicado.

O Exército Brasileiro, na sua missão subsidiária, auxilia os órgãos de segurança pública com os apoios de logística, de inteligência, de comunicações e de instrução e, no exercício do seu poder de polícia, age nas faixas lindeiras, reprimindo os crimes transfronteiriços e ambientais, como determina o artigo 17-A, LC nº. 97/99:

Art. 17-A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:

[...]

III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução;

IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

a) patrulhamento;

b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

c) prisões em flagrante delito. [grifo nosso]

O poder de polícia conferido às Forças Armadas não é a regra nas questões de segurança pública, revelando-se estas em situações especiais juridicamente previstas na lei. No entanto, o dispositivo é alvo de cerrados debates, alguns sustentando a inconstitucionalidade do inciso IV, do artigo 17-A, incluído pela Lei Complementar nº. 117, de 2004, sob o argumento de que a prevenção e a repressão de crimes de faixa de fronteira, assim como os delitos ambientais, cabem exclusivamente à Polícia Federal, por determinação expressa da Constituição.

O professor João Rodrigues Arruda [17], ao tratar do assunto, leciona:

Mesmo sendo o Presidente da República a autoridade que detém o poder de policia federal no mais alto nível e também o comandante-em-chefe das Forças Armadas, não pode ele transferir as atribuições de uma para outras das instituições. Nem o Congresso Nacional pode fazê-lo. A barreira intransponível é a Constituição, que fixou as missões que cabem a cada uma delas. As Forças Armadas no artigo 142 e a Polícia Federal no artigo 144.

Atento aos acontecimentos, o legislador já se posiciona no sentido de ampliar o poder de polícia das Forças Armadas na tarefa de zelar pelo bem-estar social, conferindo-lhes atribuição precípua e não mais subsidiária, mediante a Proposta de Emenda à Constituição 319/08 [18], do deputado Antonio Carlos Pannunzio, do PSDB-SP.

PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº, DE 2008

(Do Sr. Antonio Carlos Pannunzio e outros)

Acresce dispositivo relativo à garantia da integridade territorial nacional.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3o do art. 60 da Constituição da República, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º. O art. 142 da Constituição passa a vigorar acrescido do seguinte § 1º. A:

"§ 1º. A - No cumprimento das suas destinações constitucionais, é assegurado às Forças Armadas, o exercício do poder de polícia em qualquer área do território nacional, independentemente da posse, propriedade, finalidade ou qualquer gravame que sobre ela recaia."

Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. [grifo nosso]

A PEC nº. 319/08 aguarda o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

O deputado Antonio Carlos Pannunzio [19] defende a possibilidade das Forças Armadas exercerem o poder de polícia em toda a extensão territorial, observando que a paz social deriva da autoridade, enquanto Estado soberano. E, assim exemplifica:

Ela precisa ser afirmada como uma necessidade imperativa, sob pena de se admitir a formação de situações de anomia, justamente onde as condições naturais - como é o caso das fronteiras ao Norte - dificultam o acesso e a presença dos mecanismos tradicionais com os quais a autoridade do Estado é exercida.

No mesmo sentido, quando do incidente no Morro da Providência, no Estado do Rio de Janeiro, em junho de 2008, quando da atuação do Exército Brasileiro na segurança das obras do "Cimento Social", um projeto do governo federal, os deputados Raul Jungmann, do PPS-PE, e Jair Bolsonaro, do PP-RJ, defenderam a necessidade de previsão constitucional para conceder poder de polícia a militares do Exército, conforme noticiado por Camila Jungles [20]:

Morro da Providência

Os deputados Raul Jungmann (PPS-PE) e Jair Bolsonaro (PP-RJ) defenderam no ano passado a regulamentação de artigo da Constituição que concede poder de polícia a militares do Exército.

Jungmann, Bolsonaro e os deputados Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) e Hugo Leal (PSC-RJ) fizeram parte de grupo parlamentar que esteve no Rio de Janeiro em junho passado para apurar o envolvimento de 11 militares no assassinato de três jovens no Morro da Providência.

Relatório elaborado pelo grupo afirma que o Exército atuou como polícia durante as obras do projeto Cimento Social. Na época, o relator, deputado Antônio Carlos Biscaia, lembrou que o Exército deveria ter atuado apenas para dar segurança às obras.

Em conversa com os parlamentares, o general Luiz Cesário da Silveira, do Comando Militar do Leste, afirmou que a falta de poder de polícia dificultaria as ações do Exército em áreas urbanas e em comunidades faveladas.

Presidente da Comissão de Segurança Pública, o deputado Raul Jungmann decidiu, então, criar um grupo de trabalho para discutir a regulamentação da Constituição em relação à atuação do Exército na garantia da lei e da ordem.

Biscaia lembrou que, atualmente, a legislação exige solicitação expressa do governo do estado para o uso do Exército na segurança pública.

Percebe-se que os parlamentares já se movimentam no sentido de acabar com a discussão, para ampliar a legitimidade das Forças Armadas no seu munus [21] da garantia da lei e da ordem pública. No entanto, a sistemática constitucional e legal em vigor já permite o emprego das Forças Armadas em situações excepcionais, de atuação subsidiária e transitória na segurança pública.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crescente violência dos grandes centros urbanos, decorrente da criminalidade descomedida, ameaça a eficácia dos mecanismos de segurança pública executados pelos órgãos estatais, os quais foram destinados constitucionalmente pela preservação da lei e da ordem pública.

Diante desses fatídicos incidentes, que rotineiramente são noticiados pelos meios de publicidades, as autoridades estaduais têm buscado auxílio da União, mediante a cooperação das Forças Armadas.

Nesse desempenho, teve grande repercussão nacional o lamentável incidente no Estado do Rio de Janeiro, em junho de 2008, no Morro da Providência, quando da atuação do Exército Brasileiro na segurança das obras do "Cimento Social", que deu origem à Ação Civil Pública nº. 2008.51.01.009581-8 [22], perante a 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro, impetrada pela Defensoria Pública da União. A situação aguçou ainda mais os debates a respeito da atuação das Forças Armadas no mister de controlar e reprimir a criminalidade e violência nos grandes centros urbanos.

A Constituição disciplina os estados de anormalidade e da garantia da lei e da ordem no mesmo título de organização, "TÍTULO V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas", que está divido em três capítulos, "Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio", "Das Forças Armadas" e "Da Segurança Pública".

O artigo 142, in fini, da CRFB/88, ao prever a atuação das Forças Armadas, o faz no Capítulo II, distinto do que trata dos estados de anormalidade, Capítulo I, e da segurança pública, Capítulo III. O constituinte, ao assim disciplinar, positivou-a na disposição mediana, como equilíbrio entre o capítulo que disciplina os estados de defesa e de sítio e o que disciplina a segurança pública.

A legitimidade do poder de polícia das Forças Armadas no exercício da segurança pública se depreende da hermenêutica dos dispositivos constitucionais e da legislação vigente. Buscando-se a mens legis [23], percebe-se que deve ser aplicado o princípio geral de direito de "quem pode o mais, pode o menos". Pois, a quem é permitido defender o Estado nas instabilidades externas, com mais propriedade, está legitimado para defesa da sociedade dos ataques civis.

No entanto, é preciso lembrar que o emprego das Forças Armadas só se legitima em situações excepcionais, tendo em vista que o próprio texto constitucional reserva aos órgãos de segurança pública, quais sejam, polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpos de bombeiros militares, a primazia da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Essa divisão de tarefas é forma de distribuir as funções entre os órgãos, na manutenção da ordem e dos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade.

O legislador editou a LC nº. 97/99 para disciplina das situações excepcionais, nas quais as Forças Armadas, subsidiarimante, são chamadas a colaborar com as forças policiais no restabelecimento da ordem e da paz social violada.

O reconhecimento formal de indisponibilidade, de inexistência ou de insuficiência de recursos de segurança por parte da autoridade respectiva é a consagração do princípio do pacto federativo pela LC nº. 97/99, pois preceitua a necessidade da deliberação entre os Entes Públicos no emprego das Forças Armadas no momento da crise social instalada. Portanto, não há ingerência da União, mas participação conjunta na operação de restaurar a paz pública, em perfeita solidariedade ao Ente Estatal no momento de insegurança.

Diante da situação, a Câmara dos Deputados já se mobilizou no sentido de ampliar a legitimidade das Forças Armadas, por meio da PEC 319/08, proposta pelo deputado Antonio Carlos Pannunzio, do PSDB-SP. A PEC propõe a alteração do artigo 142, da CRFB/88, para conferir poder de polícia às Forças Armadas no exercício da segurança pública em qualquer área do território nacional.

O enfraquecimento da lei pela desordem social faz nascer o poder paralelo da impunidade, prestigiando indevidamente a criminalidade e, consequentemente, colocando em risco o Estado Democrático. Os noticiários revelam diariamente a falência nos setores de segurança pública, demonstrando que a falta de integração dos órgãos de polícia é uma realidade da sociedade brasileira, muitas vezes fruto da politicagem motivada por sentimentos eleitoreiros. Enquanto isso, preceitos fundamentais mínimos da dignidade da pessoa humana são violados, como o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança.

A segurança pública não é função por excelência das Forças Armadas, missão reservada às forças policiais, por força do artigo 144, da CRBF/88. Apesar do contexto social atual, as forças de segurança vêm cumprindo o seu papel na preservação dos direitos fundamentais do cidadão. Sabe-se que a crise na segurança pública decorre das mazelas instaladas nos setores de serviços públicos essenciais e, enquanto não se implantar uma política social séria, com a erradicação das desigualdades, dificilmente o Estado conseguirá contornar a situação de forma eficaz.

O Estado deve zelar pelas garantais individuais e coletivas do seu território, do seu povo, do seu regime político e do seu sistema constitucional, contra a violência das minorias inconformadas e o ataque das ideologias contrárias à ordem jurídica vigente.

Nesse contexto, o emprego das Forças Armadas na solução dos conflitos locais não deve servir como medida paliativa à omissão do Estado, como fundo de campanha em resposta ao clamor da sociedade votante. No entanto, verificada as situações de excepcionalidade da medida, a mensagem do ordenamento jurídico em vigor é pela legitimidade do poder de polícia das Forças Armadas, seja na sua atribuição constitucional principal pela defesa externa, sejam nas missões constitucionais de cooperação aos demais órgãos de segurança, na garantia dos Poderes constituídos e na garantia da lei e da ordem pública.

Por conseguinte, conclui-se que em situações extremas há necessidade de se fortalecer as instituições democráticas, valendo-se, se necessário, do auxílio das Forças Armadas, sem que isso configure ofensa à Carta Republicana. Pois, a segurança pública é garantia do Estado Democrático de Direito, corolário das liberdades e integridades sociais.

REFERÊNCIAS

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Notas

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ROESLER, Átila Da Rold. Novas considerações sobre o poder de polícia. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1470, 11 jul. 2007. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/10112>. Acesso em: 08 abr. 2009.
Do grego, polis.
Manual Básico da Escola Superior de Guerra. - Rio de Janeiro: A Escola, 2006, p. 18.
Cabe observar que, em situações peculiares, o poder de polícia pode ser vinculado, como acontece na concessão de licença ou autorização para o exercício de certas atividades. Neste caso, se preenchidos os requisitos legais, o administrado tem o direito de exigir que a Administração Pública pratique o ato.
v. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. [grifo nosso]
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. São Paulo: Renovar, 2005. t. 3, p. 367.
GARCIA, Emerson. As forças armadas e a garantia da lei e da ordem. Revista jurídica, Brasília, vol. 10, n. 92, Out/2008 a Jan/2009, p. 6. Disponível em: . Acesso em 08 de abr. de 2009.
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ARRUDA, João Rodrigues. O uso político das Forças Armadas. 1. ed. Rio de janeiro: Mauad X, 2007, p. 104.
PANNUNZIO, Antonio Carlos. Proposta de Emenda à Constituição nº. 319, de 2008. Disponível em: . Acesso em 10 abr. 2009.
JUNGLES, Camila. PEC assegura poder de polícia às Forças Armadas. Disponível em: . Acesso em 10 abr. 2009.
Idem.
Palavra latina, que significa encargo.
Tribunal Regional Federal (2ª Região). Exército deverá permanecer apenas na rua em que estão sendo realizadas obras do projeto "Cimento Social". Notícias, 20 jun 2008. Disponível em: . Acesso em 14 abr 2009..
Palavra latina, que significa espírito da lei, intenção da lei.


Autor: Andréa Costa Corrêa. Advogada. Graduada pela Universidade Católica de Petrópolis. Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina