L.F. VERISSIMO
Distância
Existe uma coisa chamada silogismo falso. Um pensamento que parece perfeitamente lógico até se revelar que não é. Por exemplo, dois pontos. As Forças Armadas existem para proteger a nação dos seus inimigos. Os maiores inimigos da nação, hoje, são os criminosos bem armados que dominam boa parte do seu território e são uma ameaça constante aos seus cidadãos. Os meios convencionais de combater esses inimigos não funcionam. A criminalidade aumenta, a nação se sente indefesa. A solução? Mandar as Forças Armadas saírem dos quartéis e usarem suas armas para combater o crime. Mobilizar essa força ociosa para que cumpra seu papel de defender a pátria.
O silogismo é falso e perigoso, como se viu na recente experiência carioca. Exército agindo contra o crime não acaba com o crime e corre o risco de corromper o Exército. Tropas e tanques na rua para manter a ordem estão a poucos passos de estar na rua para impor exceção e arbítrio. O Brasil é um dos raros países do mundo que não seguiram o exemplo da Roma antiga, onde as legiões eram aquarteladas longe da cidade justamente para prevenir a tentação de usá-las a qualquer pretexto. Isto não as impediu de intervir na vida civil dos romanos, mas sempre contra a oposição de figuras formidáveis como Cícero - pelo menos o Cícero que Shakespeare botou no palco -, para quem a distância das legiões era a primeira condição para a sobrevivência da República.
O fato de os quartéis brasileiros estarem geralmente dentro de perímetros urbanos só aguça a lógica enganosa, pois realça a inutilidade de uma força militar dedicada aos seus rituais internos e à preparação para guerras hipotéticas enquanto na rua em frente, ou no morro atrás, o crime corre solto e o inimigo toma conta. Fica difícil convencer as pessoas de que esse aparente contrassenso é preferível a transformar militar em polícia. Que é melhor para nossa saúde cívica as legiões ficarem longe de Roma, metaforicamente falando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário