sábado, 3 de novembro de 2012

ATAQUE A CORONEL


ZERO HORA 03 de novembro de 2012 | N° 17242

Mistério na morte do ex-chefe do DOI-Codi

Polícia tenta esclarecer o assassinato de coronel reformado do Exército, assassinado a tiros em suposto assalto no bairro Chácara das Pedras, na Capital


JOSÉ LUÍS COSTA

Em tempos de mobilização nacional em busca da verdade durante o longo período da ditadura no Brasil (1964-1985), a Polícia Civil gaúcha está diante de um crime que relembra um dos episódios mais sombrios do regime militar.

O desafio dos investigadores é esclarecer a morte do coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos, personagem que entrou para história dos anos de chumbo como chefe dos militares responsáveis pelo atentado ao Riocentro, três décadas atrás, no Rio de Janeiro.

O coronel foi assassinado quando chegava em casa às 21h de quinta-feira, na Rua Professor Ulisses Cabral, bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre, por razões ainda tão misteriosas como as atividades dele à frente do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na capital fluminense.

Viúvo, morando sozinho em um confortável sobrado na Rua Professor Ulisses Cabral, Molinas Dias foi alvejado a tiros ao retornar de uma visita a uma das filhas em um bairro vizinho. Investigações iniciais da Polícia Civil indicam que o militar, armado com uma pistola, reagiu à investida criminosa.

Mas os investigadores tentam descobrir por que um dos assassinos estava no banco do carona do C4 do militar e por qual razão foram disparados tantos tiros, cerca de 15 – três deles acertaram o coronel no tórax, no braço esquerdo e no rosto, o tiro fatal.

Nada teria sido levado a não ser uma pistola que o militar portava. Uma bolsa de couro – com celular, óculos, relógios, carteira e R$ 231 – ficou dentro do veículo da vítima.

Teria sido o coronel vítima de:

1) Uma armadilha de quem desejava se vingar dele?

2) Um roubo de carro malsucedido?

3) Uma tentativa de assalto à residência do militar?

– Não se descarta nenhuma dessas hipóteses – afirma o delegado Luís Fernando Martins Oliveira, da 14ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre, responsável pelo caso.

Militar não teria inimigos

Pelo menos em duas oportunidades, o coronel reformado do Exército comentou com a vizinhança que andava sempre armado para defesa pessoal – tinha pelos menos duas pistolas, um revólver e uma arma longa. Ao saber de uma tentativa de roubo de carro nas imediações, garantiu que, com ele, isso não aconteceria, pois iria “mandar balas nos ladrões”.

Mas o cotidiano do militar indicava que ele não tinha inimigos. Vivendo as últimas duas décadas em Porto Alegre, o coronel fez apenas uma visita a uma delegacia da Polícia Civil, em junho, para o registro de uma ocorrência do recebimento de uma multa indevida – um carro com as mesmas placas do dele foi multado em Camaquã, cidade onde o militar nunca esteve.

Embora fosse homem de poucas palavras, Molinas Dias era querido pelos vizinhos com os quais conversava, quando caminhava até a praça em frente à casa dele ou ao se exercitar em uma academia.

– Ainda ontem (quinta-feira) pela manhã abanou para mim quando ia para a ginástica – lamentou, chorando, uma moradora do bairro Chácara das Pedras.

O coronel foi sepultado ontem à tarde no Cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre. Na busca de pistas dos criminosos, a polícia conta com a ajuda da população. Informações podem ser repassadas pelo telefone de plantão da 14ª DP – (51) 3340.2299 – a qualquer hora do dia.

A VÍTIMA

Nome: Julio Miguel Molinas Dias
Idade: 78 anos
Quem foi: coronel do Exército
Onde nasceu: São Borja

AS LINHAS DE INVESTIGAÇÃO

Assassinato - O coronel teria sido vítima de uma execução, atraído para uma cilada ao dar carona para um conhecido interessado na morte do militar.

Roubo de carro - O militar teria sido rendido ao entrar no carro quando deixava a moradia de uma filha. Seria levado como refém, possivelmente, para fazer saques em bancos e reagiu ao chegar na frente de casa.

Assalto à residência - Após render o militar, os criminosos invadiriam a casa da vítima. A dúvida é saber o que fariam lá dentro: roubar objetos da casa ou documentos de atividades do coronel no tempo da ditadura.


Envolvimento do militar em atentado é desconhecido - NILSON MARIANO

A trajetória do coronel do Exército reformado Júlio Miguel Molinas Dias, 78 anos, assassinado a tiros em Porto Alegre, está ligada ao aparelho repressivo da ditadura militar. Quando houve o atentado no Riocentro, em 30 de abril de 1981, ele comandava o DOI-Codi.

Não haveria informações se Molinas Dias planejou, autorizou ou ignorava o atentado – atribuído a militares linha-dura descontentes com a abertura política encaminhada na etapa final do regime militar. Naquela noite de 31 anos atrás, enquanto ocorria um show no Riocentro pelo Dia do Trabalhador, o capitão Wilson Dias Machado e o sargento Guilherme do Rosário estariam planejando explodir uma bomba no pavilhão. Só que o artefato estourou antes, dentro de um automóvel Puma, matando o sargento e deixando o capitão gravemente ferido.

O assassinato de Molinas Dias consternou clubes militares do país, que repercutiram o crime em seus sites. Ontem, o editor do Jornal Inconfidência (Minas Gerais), coronel reformado Carlos Claudio Miguez, recolheu inúmeras manifestações de pesar vindas de outros Estados. Uma das sugestões foi de que o Comando Militar do Sul (CMS) também investigasse a morte.

Em contato com militares que atuaram com a vítima no DOI-Codi do Rio, Miguez apurou que Molinas Dias primava pela discrição. Atualmente, não participava de associações classistas que reúnem os oficiais reformados.

– Era uma pessoa calma, que nunca se meteu em confusões – disse Miguez para ZH, a partir dos relatos que ouviu.

Ativistas de esquerda, que foram perseguidos durante a ditadura militar, desconhecem o coronel assassinado. Representantes do Grupo Tortura Nunca Mais do país, consultados por ZH, não o situam na vanguarda da repressão. O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, consultou o arquivo de mais de três década da entidade. Molinas Dias não consta na lista de repressores – aqueles que torturaram ou mandaram supliciar presos políticos.

Discreto na profissão, também era reservado na vida privada. Nascido em São Borja, Molinas Dias residia há cerca de duas décadas no bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre. Desde que ficou viúvo, há quatro anos, morava só. Costumava almoçar ou jantar na casa de uma das duas filhas, em um bairro vizinho.

Moradores lembram que o coronel era educado, a todos cumprimentava, mas sem alongar conversas. Certo vez, um vizinho perguntou-lhe por que era tão reservado, ouvindo uma resposta enigmática:

– Tenho um monte de presuntos (na gíria policial, significa cadáveres) – teria dito Molinas Dias.

Talvez devido ao tempo de caserna, exercitava-se três vezes por semana numa academia e andava armado com uma pistola. Não gostava de tirar fotografias e, nos momentos de lazer, apreciava ver TV.

BOMBAS DA INTOLERÂNCIA

O atentado ao Riocentro ocorreu por volta das 21h de 30 de abril de 1981, durante show comemorativo ao Dia do Trabalhador. Um explosivo acabou detonando dentro de um Puma, onde estavam o sargento Guilherme do Rosário, que morreu, e o capitão Wilson Machado, que sobreviveu com graves ferimentos.

Militares de extrema direita, descontentes com a abertura política iniciada pelo general João Figueiredo (1979-1985), cometeram o malogrado atentado no Riocentro. Queriam culpar grupos de esquerda, para causar um retrocesso no regime. No entanto, houve uma trapalhada, a bomba explodiu no colo do sargento Rosário.

Ataques terroristas se multiplicavam pelo país, com bombas destruindo bancas de revistas e sedes de jornais de esquerda, os chamados “nanicos”.

Em agosto de 1980, uma carta bomba atingiu a secretária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio, Lyda Monteiro da Silva, que teve o braço decepado e morreu no hospital. No mesmo dia, uma bomba foi detonada na Câmara de Vereadores do Rio, ferindo seis pessoas.



Capa para a história - RICARDO CHAVES | EDITOR DO ALMANAQUE GAÚCHO

Eu era fotógrafo da Veja e, um mês antes, a revista me transferira para a sucursal do Rio. Na noite de quinta-feira, 30 de abril de 1981, uma edição extra na TV me alertou sobre a explosão de uma bomba no Riocentro, onde se realizava um show comemorativo ao 1º de maio, Dia do Trabalhador.

Liguei para a redação e pedi, urgentemente, um carro. Conhecia pouco a cidade, mas morava no caminho para o local. Lá chegando vi o Puma estourado no estacionamento quase deserto. Achei que estava atrasado, mas era um dos primeiros a chegar.

O show rolava, e todos estavam lá dentro. Não permitiram que me aproximasse muito. Fotografava de onde podia. Bem depois, após a perícia e a retirada do corpo do sargento, liberaram o carro para fotos. Tirei o filme preto e branco e coloquei um colorido. Corretamente intuí que o assunto ia crescer e seria capa da revista. Foi o assunto das semanas seguintes. É, ainda hoje, 31 anos depois.





Um comentário:

  1. Há algo de estranho nesse assassinato:
    -não foi latrocínio pois, nada foi levado;
    -vingança, seria difícil, uma vez que seu nome nem constava como torturador;
    -roubo de carro, pode ser;
    -assalto à residência, é uma especulação(o que sumiu?);
    -resta ainda a hipótese de sequestro e ele teria reagido.Essa, seria no meu entender, a mais provável, podendo ter fins de saque bancário ou cativeiro para extorsão da família.
    O mais estranho são os calibres das balas encontradas em seu corpo:9mm, 45 e 380.Não são armas de uso civil.
    Esse coronel, discreto e simples, jamais aludiu ao seu passado.Ninguém sabia sobre sua atuação no DOI-CODI.Destarte, pode-se descartar a hipótese da vingança.Ou, se indagar " a quem interessaria ou seria útil seu desaparecimento?"
    São mistérios e mais mistérios.A medida que sigam as investigações, poderá se esclarecer ou continuar coberto pela escuridão.
    Pelo que se sabe, era muito benquisto.
    O mais lamentável é que tenha acontecido essa tragédia justo em Porto Alegre, terra que o adotou e acolheu.

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